CARL GUSTAV JUNG

(1875-1961)

Biografia | Obras | Tradições | Galeria de Fotos | Áudio e Vídeo

JUNG E A TRADIÇÃO DA ALQUIMIA E A TRADIÇÃO DO GRAAL

Depois de se separar de Freud e seu círculo, Jung passou por um período de introspecção, inaugurado por algumas visões da Europa mergulhada em sangue, o que depois ele descobriu ser o prenúncio da Primeira Guerra Mundial. Nesse período de introspecção, que se estendeu de 1913 a 1930[1], iniciou-se o que ele chamou de “confronto com o inconsciente”, quando passou por diversas experiências espontâneas e também provocadas por sua técnica de imaginação criativa. Essas vivências foram registradas nos chamados Livros Negros, e muitas delas são diálogos com personagens que surgiam do inconsciente, como Elias, Salomé, uma serpente, Ka e Filêmon, este último considerado como um guru. Filêmon havia aparecido primeiramente em sonho, depois passou a conversar com Jung em estado de vigília[2]. “Ele me encaminhou para muitos esclarecimentos interiores”[3]. Posteriormente, os Livros Negros foram passados a limpo, no que ele chamou de O Livro Vermelho, mas esse trabalho ficou inacabado, subitamente interrompido.

Jung passou a ter sonhos recorrentes de que ao lado de sua casa havia uma construção anexa ainda desconhecida — “Espantava-me sempre, no sonho, o fato de não conhecer essa parte da casa, que, aparentemente, sempre lá estivera” — até que finalmente adentrou essa edificação e encontrou uma biblioteca repleta de obras dos séculos XVI e XVII com símbolos curiosos. “Muito mais tarde reconheci que eram símbolos alquimistas”. “A ala desconhecida era uma parte da minha personalidade, um aspecto de mim mesmo. Representava algo que fazia parte de mim, mas de que eu ainda não tivera consciência.”

 

Em Sonhos, Memórias e Reflexões, relata que, em 1926, sonhou que adentrava um grande edifício até que, de repente, os portais se fechavam, trancando-o junto com um camponês, que lhe dizia: “Eis-nos agora prisioneiros do século XVII!” Nesse momento pensa resignadamente: “Sim, é isso. Mas que fazer?”Sobre esse sonho comenta que “só muito mais tarde compreendi que ele se relacionava com a alquimia: foi no século XVII que esta atingiu o ponto culminante”.

Em 1928, Richard Wilhelm apresentou-lhe O Livro da Flor de Ouro, uma obra de alquimia chinesa taoísta desconhecida na Europa na época, solicitando-lhe que fizesse uma introdução. Essa obra foi impressa no século XVIII, mas remonta a uma tradição oral iniciada no século VIII, relacionada com o ensinamento do Elixir de Ouro da Vida (KintanChiao), de Liu-Yen[4], fundador dessa tradição. O texto, com forte influência budista mahayana[5] e nestoriana[6] trata de meditações e da produção do chamado corpo de diamante ou, como diz Henry Corbin, do nascimento do homem pneumatikos.

Depois desse contato, Jung voltou-se para a alquimia europeia. Já havia tido contato com a obra de Goethe, com as palestras de ThéodoreFlournoy na Universidade de Genebra, em que fazia uma interpretação psicológica da alquimia, e com a obra do psicanalista Herbert SilbererProblemas de Misticismo e seus Símbolos, posteriormente publicada com o título Simbolismo Oculto da Alquimia e as Artes Ocultas. Encomendou a um vendedor de livros raros todas as obras alquímicas que se encontrassem disponíveis, e sua auxiliar mais próxima no estudo da alquimia, Marie-Louise von Franz, também obtinha obras raras para ele e as traduzia a partir do latim e do grego. Sua coleção de textos alquímicos chegou a 200 títulos. Passou cerca de dez anos estudando-os, tendo organizado um dicionário de vários volumes com palavras-chaves e notas explicativas. “Uma noite, estando absorto nesses textos, o sonho anunciador de que eu ‘era prisioneiro do século XVII’ voltou ao meu espírito. Compreendera enfim o seu sentido, sabia: ‘Sim, é isso! Eis-me condenado a estudar e a dedicar-me a toda a alquimia desde o início’.”

Na alquimia, Jung viu a possibilidade de embasar o conhecimento obtido com suas experiências internas, com seus pacientes, seus estudos e intuições com uma referência histórica. Anteriormente havia cogitado a possibilidade de se reportar aos antigos gnósticos dos séculos I a.C. a III d.C., no entanto, considerava que a conexão com eles ao longo da história havia sido quebrada. Em sua época os textos de NagHammadi ainda não haviam sido traduzidos. Quando o Instituto Jung adquiriu um dos códices e lhe deu de presente, ele já contava com 80 anos. Os alquimistas eram a ponte, o elo, com a tradição dos gnósticos. “Sob esse ponto de vista, o encontro com a alquimia foi para mim uma experiência decisiva; nela encontrei as bases históricas que até então buscara inutilmente”.

Quando Jung descobriu nas obras alquímicas um lastro para trazer a público as suas ideias, interrompeu o seu trabalho com O Livro Vermelho. “O conhecimento da alquimia, em 1930, afastou-me dele. O começo do fim veio em 1928, quando [Richard] Wilhelm me enviou o texto da “flor de ouro”, um tratado alquímico. Então, o conteúdo deste livro encontrou o caminho da realidade, e eu não consegui mais continuar o trabalho”. Como disse SonuShamdasani, fundador da Philemon Foundation e editor do Livro Vermelho, “dessa forma, chegou ao fim o ‘confronto com o inconsciente’ e começou o ‘confronto com o mundo’”.[7]

A partir de 1935 começou a apresentar suas descobertas nas Conferências de Eranos, em várias palestras, como “A Ideia da Redenção na Alquimia”, “Símbolos Oníricos do Processo de Individuação”, em que estabelece uma relação entre a simbologia alquímica e os sonhos de uma pessoa na modernidade. Esse conjunto de palestras foi reunido em Psicologia e Alquimia, lançado em 1944.

Nesse livro, Jung aborda também o aspecto de filosofia religiosa da alquimia, que foi levado a reconhecer por meio do estudo de Paracelso. Ele aponta que a pedra (lapis) dos alquimistas eram uma figura que remetia a Christos. Jung fala de Cristo como o ouro verde dos alquimistas, o espírito de vida, a Anima Mundi ou FiliusMacrocosmi, que reside na matéria, o Anthropos “vivo no mundo inteiro”, “espírito presente até mesmo no metal ou na pedra”. Os alquimistas viam a matéria como o receptáculo de um espírito divino que estava aprisionado e precisava ser libertado. Por isso consideravam a Grande Obra como um trabalho divino. Com esse trabalho, a pessoa traz à consciência o Si-mesmo, que estava presente no inconsciente e que passa a assumir o direcionamento de toda a estrutura psíquica. Assim, o praticante da obra alquímica torna-se um ser inteiro, não dividido, in-divíduo[8].

Em seminários, Jung também traçava paralelos entre os Yoga-sutras de Patanjali, práticas meditativas budistas e a alquimia medieval. Procurava mostrar que todas elas apontavam para o mesmo processo de transformação, de individuação.

Em Ab-Reação, Análise dos Sonhos e Transferência interpreta o texto e as ilustrações do livro anônimo RosariumPhilosophorum. Em Estudos Alquímicos trata das visões de Zózimo, alquimista do século III d.C. Em O Espírito na Arte e na Ciência, consta uma palestra sua sobre Paracelso.

Em Aion(1951) retoma a figura de Cristo, o “Anthropos que anima todo o cosmo”, o “Grande Homem que há em todo homem”, o Si-Mesmo, e afirma que foi associada a Jesus.

Em 1955 escreveu o que considerou sua obra de conclusão sobre o tema: MysteriumConiunctionis. “Só assim minha psicologia foi definitivamente colocada na realidade e estabelecida em seu conjunto graças aos seus fundamentos históricos. Assim minha tarefa foi cumprida e minha obra terminada.”No último capítulo, Jung aborda o significado espiritual da obra alquímica no modo como foi trabalhado pelo alquimista belga Gerhard Dorn, do século XVI, e também o conceito de UnusMundus, que representaria o Uno, “quando ainda não existia in actu a duplicidade[9] ou a pluralidade, mas apenas existia o ‘Um’”[10],“a síntese entre o consciente e o inconsciente, após a espiritualização do corpo e a materialização do espírito”[11].

Segundo sua secretária Aniela Jaffé, “nas visões e fantasias, uma mensagem chegou a ele como de um poder superior, que era não só para ele mas também para seus companheiros da humanidade. A realização da tarefa de sua vida requereu toda sua energia e completa submissão ao transpessoal”. E sobre sua dedicação ao que ele considerava “o mais importante do ponto de vista de eternidade”, ela continua: “Essa decisão foi como um voto, que ele manteve até a morte.”

Depois do século XVII, a alquimia praticamente desapareceu, ficando restrita a círculos fechados, como a maçonaria e grupos rosacruzes. Coube a Jung trazê-la à tona novamente para o pensamento ocidental.

Após sua morte, Marie-Louise von Franz, sua aluna, colega e amiga continuou a ensinar as ideias de Jung. Jeffrey Raff, em Jung e a Imaginação Alquímica, que com ela estudou, fala de uma tradição escrita versus uma tradição oral na psicologia junguiana, “pois havia diferenças entre o Jungdas Obras Completase aquele apresentado por von Franz. Segundo ele, ela “falava de um mestre espiritual, que conhecia muito bem a importância capital da obra interior”[12].

 Von Franz, em seu livro C.G.Jung, seu Mito em nossa Época, chama a atenção para o elo de Jung com a tradição do Graal. Ela lembra do relato que ele havia feito de um sonho que teve com uma celebração no castelo do Graal enquanto estava na Índia. Esse sonho o resgatava de um arrebatamento que lhe havia ocorrido com todas as fortes impressões que tivera naquele país, principalmente quando visitou as estupas de Sânchi, monumentos budistas construídos no século III a.C. pelo rei Ashoka. “Nunca antes me senti de tal modo fascinado por um lugar”. No entanto, continua: “O sonho apagou decididamente todas as impressões hindus, intensas como eram; entreguei-me a preocupações negligenciadas há muito tempo, que interessam ao Ocidente e que outrora se exprimiam pela busca do Santo Graal, assim como pela busca da ‘pedra filosofal’. Fui arrebatado ao mundo da Índia e advertido de que ela não era minha tarefa”. […] “Era como se o sonho me perguntasse: ‘Que fazes nas Índias? É melhor que procures para teus semelhantes o cálice da salvação’”.

Sonu Shamdasani narra que, nos Livros Negros, Jung relata o sonho de que encontra andando por uma cidade um funcionário austríaco de uma alfândega e um cavaleiro vestido com uma armadura e uma veste branca com uma cruz de malta vermelha tecida no peito e nas costas que existia desde o século XII. “Com relação ao velho austríaco, ocorreu-me Freud; com relação ao cavaleiro, eu mesmo”. Sobre este mesmo sonho comenta em Sonhos, Memórias e Reflexões: “Enquanto sonhava, sabia que o cavaleiro era do século XII, época em que a alquimia começou, assim como também a busca do Santo Graal.[13] Desde minha juventude as histórias do Graal desempenharam um grande papel em minha imaginação. Li essas histórias pela primeira vez aos quinze anos, e isso foi um acontecimento inesquecível, uma impressão que nunca mais desapareceu! Desconfiava que havia um mistério nessas histórias”. “Pareceu-me natural que o sonho evocasse de novo o mundo dos cavaleiros do Graal e sua busca; era esse o meu mundo, no mais íntimo sentido da palavra, sem relações com o de Freud.”[14]Nesse mesmo livro, afirma que só não incluiu o tema em suas pesquisas em respeito ao trabalho de pesquisa de sua esposa, Emma Jung, que deixou inacabado A Lenda do Graal, terminado por von Franz a pedido de Jung.

“No século XII, quando nasceu a lenda, não se dispunha das condições necessárias para compreender o que ela representava. Assim, acabou no exílio; daí o grito de Merlin, que ressoa ainda na floresta”. […] “Pode-se dizer que o segredo de Merlin continuou na Alquimia, principalmente na figura de Mercúrio. Depois foi recolhido por minha psicologia do inconsciente, mas até hoje continua incompreendido”[15].

 

 

 

[1]C.G.Jung. O Livro Vermelho. Introdução de SonuShamdasani.

[2]“De vez em quando tinha impressão de que ele era quase fisicamente real. Passeava com ele pelo jardim e o considerava uma espécie de guru, no sentido dado pelos hindus a esta palavra” C.G.Jung. Sonhos, Memórias e Reflexões, ed. Nova Fronteira, pág.163.

[3] C. G. Jung. Sonhos, Memórias e Reflexões, ed. Nova Fronteira, p. 163.

[4] Aniela Jaffé. Fromthe Life andWorkofC.G.Jung.

[5] Henry Corbin. Autour de Jung.

[6] “Origem e Conteúdo do Tai I Gin HuaDsungDschi, capítulo escrito por Richard Wilhelm, em O Segredo da Flor de Ouro. Ed. Vozes, p. 46.

[7] Introdução de SonuShamdasani de O Livro Vermelho Sem Ilustrações, de C.G. Jung, ed Vozes, pág. 77

[8] Aniela Jaffé. Op. cit.

[9] Ou a dualidade.

[10] C. G. Jung. MysteriumConiunctionis, vol 2. Ed. Vozes, pág. 291.

[11] Diogo de Lima e Calazans. “A Destilação da Psique no Século XX: Uma Interpretação de C. G. Jung sobre as ideias de Gerhard Dorn. https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/20857/2/Diogo%20de%20Lima%20e%20Calazans.pdf, acessado em jun de 2019.

[12] Jeffrey Raff. Jung e a Imaginação Alquímica, ed. Mandarim, pág. 27.

[13] Essas tradições não se iniciaram no século XII, apenas foram retomadas e divulgadas. Nesse século começam a surgir as principais obras da Literatura do Graal, que se reportava a uma tradição que se desenvolveu abertamente na Inglaterra, Irlanda e Escócia do séc. I ao séc. VII.

[14] C.G. Jung. Sonhos, Memórias e Reflexões, Ed. Nova Fronteira, pág. 148.

[15]Idem, pág. 200.

 

A TRADIÇÃO DA ALQUIMIA

A alquimia é um método de aperfeiçoamento humano que busca alcançar um senso vivo de unidade da natureza humana com a divina, um estado da alma, uma condição de Ser, e não uma mera condição de conhecimento intelectual[1]. Para Henry Corbin, a alquimia é uma verdadeira “ciência espiritual da natureza do homem”. A partir da premissa de que há uma relação de correspondência entre o macrocosmo e o microcosmo, esse método sustenta-se pela investigação da natureza, dos astros e do próprio ser humano.

Hermes

Também chamada de Arte Hermética, a alquimia no Ocidente remonta a textos atribuídos a Hermes Trismegisto. Hermes é o nome grego da deidade egípcia Thot, que, segundo George Mead, é considerado o diretor das medidas, dos números e da ordem do universo, a deidade que permeia todas as coisas e habita o coração de todos os seres. Ainda segundo Mead[2], o nome “Hermes” também foi atribuído a uma tradição sacerdotal que teve três fases: 1ª) a tradição original, que utilizava uma língua sagrada e inscrevia seus ensinamentos em hieróglifos nas paredes dos templos; 2ª) a de Hermes Três Vezes Grande, das escolas de mistério egípcias posteriores, que preservavam seus ensinamentos também em caracteres sagrados, mas em uma língua egípcia comum (um desses sacerdotes teria sido anterior ou contemporâneo de Moisés, no séc. VIII a.C.); e 3ª) a de Tat, os sacerdotes da época do grande tradutor Manetho (séc. III a.C.) e alguns séculos antes dele. Eles escreviam em uma forma posterior da língua egípcia.  Outro estudioso, Martin Plessner, afirma que o segundo Hermes teria sido um personagem que teria vivido na Babilônia e renovado a medicina, a filosofia e a aritmética. É considerado o mestre de Pitágoras[3]. De acordo com Ibn Nadim, deixou seu país e foi morar no Egito. Interessava-se pelo estudo das forças da natureza e escreveu vários livros sobre alquimia. A literatura hermética divide-se em dois ramos: o filosófico e o astrológico e alquímico.

Zózimo e alquimia greco-egípcia

Alguns dos textos alquímicos mais antigos que existem hoje foram escritos em grego, principalmente em Alexandria. Zózimo de Panópolis (Akhmim), que viveu no final do séc. III e início do séc. IV d.C., coordenou uma escola em Alexandria e escreveu 28 livros sobre alquimia. Segundo Eric J. Holmyard[4], algumas passagens parecem originais, mas uma grande parte da obra é uma compilação de obras anteriores, agora perdidas. Seus escritos revelam influência do hermetismo, do gnosticismo, do zoroastrismo e da filosofia grega antiga. Em Estudos Alquímicos, C. G. Jung refere-se a Zózimo no capítulo “As Visões de Zózimo” e também em Psicologia e Alquimia, quando se refere a Zózimo como um testemunho da natureza espiritual do trabalho alquímico[5].

A Alquimia e o Gnosticismo

O estudioso francês Marcellin Berthelot[6] afirma que existia desde a origem uma afinidade secreta entre o gnosticismo e a alquimia. Ele reconhece nas obras dos primeiros alquimistas — Zózimo, Olimpiodoro e Sinésio— muitas ideias e nomes gnósticos. No Livro da Verdade de Sophé, o Egípcio, obra do Senhor dos Hebreus e dos Poderes Sabaoth, de Zózimo, Berthelot percebe um análogo do Evangelho da Verdade e de Pistis Sophia (o primeiro foi escrito pelo gnóstico Valentino, e o segundo foi editado por ele). Ele aponta também uma relação entre Marcos, discípulo de Valentino, e a alquimia. Henry Corbin menciona que o sistema de letras e números criado por Marcos será retomado posteriormente por Jafar al-Sadiq, Jabir ibn Hayyan (Geber) e Ibn Arabi, que escreveram sobre alquimia. Em outro momento, Berthelot aponta que os sethianos (nome que os gnósticos ophitas receberam no Egito), assim como os alquimistas, associavam mistérios órficos e noções bíblicas. Além disso, ele associa com o gnosticismo as alquimistas Maria Profetisa e Cleópatra. Frequentemente mencionada por Zózimo, Maria Profetisa, também chamada de Miriam, a Judia, escreveu muitos tratados alquímicos, dentre os quais um é conhecido como Discurso da Muito Sábia Maria sobre a Pedra Filosofal. Cleópatra, a Sábia, escreveu um tratado sobre pesos e medidas. O estudioso francês associa o nome de Cleópatra com o da gnóstica Maria de Cleophas[7].

A Alquimia e o Zoroastrismo, a Filosofia Grega e o Neoplatonismo

Há nos escritos dos primeiros alquimistas uma forte influência do zoroastrismo e também da filosofia grega antiga. Zoroastro tratava da resolução entre forças opostas como superação do mal e caminho para o bem no universo e no interior do próprio homem. Pitágoras tratava das forças do universo e da dinâmica viva do cosmo. Aliás, foi ele quem criou o termo “cosmo”. Seu discípulo Anáxagoras abordou o macrocosmo, enquanto seu próprio discípulo Demócrito tratou do microcosmo. Durante sua viagem ao Egito, Demócrito foi iniciado no templo de Memphis pelo grande mago mitraico Ostanes e pelos sacerdotes do Egito. Heráclito falava do Fogo-Logos, tema que posteriormente foi retomado pelo estoico Posidônio de Apamea; pelo gnóstico Simão, o Mago; e pelos alquimistas rosacruzes. Empédocles especulava sobre os quatro elementos. Parmênides discorria sobre a unidade do Todo. Platão apresentava a geração e o desenvolvimento do universo físico presentes em seu livro Timeu, a partir dos ensinamentos de Pitágoras que chegaram até ele. “Conhece-te a ti mesmo e, se assim fizeres, conhecerás o universo e os deuses”. Considera-se que o livro Memórias Autênticas, de Zózimo, aproxima-se muito do Timeu.

Olimpiodoro, alquimista que viveu no séc. V em Bizâncio, retomou os filósofos pré-socráticos Thales, Anaximandro e Parmênides e também os filósofos neoplatônicos. Considerava Platão como um alquimista. Segundo ele, há um livro atribuído a Platão chamado Summa Platonis, que trata de alquimia.

Os filósofos neoplatônicos tocam muito de perto os alquimistas, segundo Berthelot. Não apenas eram contemporâneos, mas também se ocupavam de conhecimentos semelhantes, como o estudo dos astros e suas influências e a magia. Jâmblico escreveu Os Mistérios do Egito. A ele são atribuídos também dois procedimentos de transmutação[8]. Proclo chamou a alquimia de ars divina (arte divina) e tratou do okhema (veículo ou corpo) nos termos em que mais tarde Sheik Ahmad Aha’i tratará de um “corpo de ressurreição”. Contemporâneo de Zózimo, Porfírio será frequentemente mencionado pelos alquimistas árabes Jabir ibn Hayyan (Geber) e Aydamor Jaldaki.

A Influência Hebraica

Autores hebraicos eram frequentemente citados nos primeiros escritos alquímicos. Os judeus que viveram em Alexandria tiveram contato com a cultura grega, egípcia e caldaica e, entre eles, propagaram-se ideias alquímicas. Fala-se da “química” de Moisés e estabelece-se uma ligação com o Livro de Enoc. Zózimo cita Salomão. São mencionadas duas tradições alquímicas: a egípcia e a hebraica.

 

A ALQUIMIA ENTRE OS ÁRABES

As Traduções

Alexandria era um centro de filosofias, ciências, religiões gregas, egípcias, hebraicas, persas e caldaicas. Quando o catolicismo se fortalece, as escolas de filosofia pagã começam a ser fechadas. As bibliotecas de Alexandria e de Serapeum são destruídas; e seu acervo, espalhado. Os templos pagãos são destruídos. Os filósofos neoplatônicos são perseguidos. A filosofia e a alquimia greco-alexandrina desaparecem do Império Romano no século VI, mas, a partir dos séculos VII e VIII, passam a ser traduzidas para o siríaco e, depois, para o árabe.  Estudiosos foram convidados a ir para Damasco e Bagdá. Manuscritos gregos foram adquiridos em grande número e foram estudados, traduzidos e comentados. Califas encorajaram o trabalho dos tradutores.

A transmissão ocorreu por contato direto em Alexandria e outras cidades egípcias e por intercâmbio em centros de estudo de Harran, Edessa e Nisibis. Outro ponto de contato entre os islâmicos e o ensinamento alquímico foi o centro de estudos de Jundishapur, no sudoeste da Pérsia. Cristãos nestorianos traduziram obras gregas para o árabe. Sérgio Rash ‘Ayna (m. 536 em Constantinopla), cuja atuação foi intensa, foi um sacerdote nestoriano que escreveu muitas obras e fez traduções dos filósofos gregos para o siríaco. Os sabeus de Harran também realizaram muitas traduções.

Além disso, a região de Balkh, ou Bactro, no atual Afeganistão, recebeu a cultura grega, budista, zoroastriana, maniqueia e cristã nestoriana. A partir daí também surge uma forte influência dos seus astrônomos, astrólogos, médicos e alquimistas. Portanto, os alquimistas árabes estavam em contato com a sabedoria alexandrina, que funde os ensinamentos dos gregos, dos egípcios e dos judeus, e também com a sabedoria persa e a síria, com sua origem caldaica, e a sabedoria indiana de origem budista[9].

Balinas, ou Apolônio de Tiana

Dentre os autores traduzidos, Apolônio de Tiana foi uma das influências mais importantes para os alquimistas árabes, especialmente Jabir ibn Hayyan (Geber), que escreveu dez livros baseados em suas ideias.[10] Entre os árabes, Apolônio era chamado de Balinas, ou Belinus. Filósofo neopitagórico, nascido na Capadócia no século I d.C., viajou, acompanhado de seu discípulo Dâmis, para a Índia e Nepal, onde visitou um mosteiro, provavelmente budista, dirigido por um mestre chamado Yarchas. Também visitou várias vezes os Magos da Babilônia. Ele atuou com Paulo de Tarso na propagação dos ensinamentos de Jesus[11]. Sobre alquimia, escreveu O Livro das Sete Estátuas[12] É atribuído a Apolônio/Balînâs o Livro do Segredo da Criação e a Arte de [Reproduzir] a Natureza (Sirr al-Khalîqa), cuja parte final é constituída da célebre Tábua de Esmeralda, que é considerada o testamento alquímico de Hermes. O texto mais antigo da Tábua de Esmeralda que chegou até nós é redigido em árabe, citado no Kitâb sirr al-khalîqa. O que está no alto é como o que está embaixo é o princípio mais claro e o mais útil que existe em alquimia, segundo o alquimista Jabir ibn Hayyân (Geber). Apolônio escreveu o Livro dos Segredos da Criação a partir da Tábua de Esmeralda e do Livro das Causas, textos mais antigos que chegaram até ele.  Ana Maria Alfonso-Goldfarb pergunta: Por que O Segredo da Criação é desconhecido no Ocidente? Porque talvez tenha sido elaborado durante seu contato com os magos persas quando de sua longa visita aos domínios destes[13].

Ali ibn Abu Talib – I Imam

No Islã, a alquimia está intimamente ligada à tradição da shi’a, segundo Henry Corbin. O I Imam, Ali ibn Abu Talib, escreveu em Kufa discursos gnósticos em que fala da alquimia, como o Khotbat al-Bayân. Ele afirmava que a alquimia é a irmã da profecia e a garantia da suprema dignidade humana. Em outro momento, quando perguntado se a alquimia existia, respondeu: A alquimia existiu no passado, existirá no futuro e existe no presente. Os seguidores da shi’a viam o hermetismo como uma sabedoria inspirada, uma filosofia profética. Hermes figura entre os profetas. Corbin afirma que há um elo essencial entre a ideia alquímica e a imamologia shiita e entre a obra alquímica e a fotowwat, a cavalaria espiritual. A operação alquímica apresenta-se como o caso por excelência do ta’wîl (a exegese espiritual): ocultar o que é aparente, fazer aparecer o que está oculto[14].

Jabir ibn Hayyan, ou Geber (721-815)

Jabir ibn Hayyan era chamado de al-Kufi, porque era nativo de Kufa, onde viveu por muitos anos, e al-Sufi, porque era um sufi shiita. Muitos de seus princípios eram semelhantes aos do neoplatonismo, que o influenciou bastante. Foi discípulo do VI Imam, Jafar al-Sadiq (700-765). Corbin diz: Não há nenhuma dificuldade em admitir que o Imam Jafar tinha conhecimento da alquimia e foi o mestre de Jabir ibn Hayyan. Graças aos esforços de Jabir, ocorreu uma segunda leva de obras gregas trazidas de Bizâncio e traduzidas para o árabe.  Exames críticos apontam que muitos dos textos atribuídos a Jabir foram expandidos ou escritos originalmente por ismailitas. Seus mais importantes tratados incluem Os Cento e Doze LivrosOs Setenta LivrosOs Dez Livros de Retificações Os Livros das Balanças. Esses tratados foram, em última instância, baseados na Tábua de Esmeralda. Um segundo grupo de tratados foi traduzido para o latim pelo templário Gerardo de Cremona, no século XII, quando a alquimia começa a ser introduzida na Europa medieval. Nessas traduções, Jabir é chamado de Geber. Um terceiro grupo de tratados descreve os avanços alquímicos realizados por Pitágoras, Sócrates e Platão. Jabir refere-se a Pitágoras (Ta’ifat Fthaghurus) como um autor alquimista e a seu Livro dos Ajustes.  Um quarto grupo desenvolve a Teoria das Balanças, de Jabir, que trata das naturezas dos quatro elementos presentes no ser humano. Jabir inspirou-se no Livro das Sete Estátuas, de Apolônio de Tiana. Escreveu também o Livro do Glorioso, que revela o elo de seu ensinamento alquímico com a gnosis ismailita. Seu mestre Jafar al-Sadiq retoma uma teoria do gnosticismo antigo, especialmente de Marcos, discípulo de Valentino, considerando que as letras do alfabeto, estando na base da Criação, representam a materialização da Palavra divina.

Al-Farabi (872-950)

Abu Nasr Mohammad ibn Muhammad ibn Tarkhan ibn Uzalagh al-Farabi nasceu em Wasij, perto de Farab, no Turquestão. Ainda jovem foi para Bagdá onde teve como primeiro preceptor um cristão chamado Yohanna ibn Haylam. De Bagdá foi para Aleppo e, posteriormente, para o Cairo e para Damasco, onde morreu. Considerado o primeiro grande filósofo muçulmano, era um sufi. Sua principal obra foi Joias de Sabedoria (Fosus al-hikam). Retomou Platão e os neoplatônicos Plotino e Porfírio. Influenciou Avicena e Sohravardi. Escreveu A Necessidade da Arte do Elixir.

Abu ‘Ali Hosayn ibn ‘Abdillah ibn Sina – Avicena (980-1037)

Nasceu próximo de Bukhara, importante centro cultural do mundo islâmico, onde teve sua primeira formação. Em Bukhara e em Balkh, teve acesso a grandes bibliotecas, onde estudou com afinco. Sua educação foi enciclopédica, englobando geometria, física, medicina, jurisprudência e teologia. Sua obra marcou profundamente o Ocidente e o Oriente, pois cobria todo o campo da filosofia e das ciências cultivadas na época. Seu pai e irmão eram ismailitas e tentaram fazê-lo entrar numa dawat (um centro) ismailitaSuas obras mais conhecidas foram Kitab al-Shifa’ (O Livro da Cura), que reunia conhecimentos de várias áreas e foi a primeira enciclopédia da Europa, e posteriormente Al-Nayat (A Salvação), que é um resumo do al-Shifa’. Ibn Sina aborda as ideias de Platão, Plotino e dos estoicos Zenão e Crisipo, entre outros. Além destes, Avicena foi influenciado por al-Farabi. Médico, escreveu o Cânone da Medicina, que foi uma das referências principais no estudo de medicina no Ocidente durante muitos séculos. Também escreveu três relatos místicos — Relato Hayy ibn Yaqzan, Relato do Pássaro Salman e Absal —, O Bem e o Mal, O Sentido e a Essência, O Princípio e o Retorno e muitas outras obras, entre elas, poesias filosóficas.  Designava sua filosofia como “filosofia oriental”, retomada depois por Sohrawardi. Em De Anima (Sobre a Alma), fala sobre o ouro filosófico, os quatro elementos, o enxofre e o mercúrio, retomando Jabir (Geber). No Ocidente sua obra foi adaptada ao “agostinianismo aviceniano”, mudando-se seu sentido e estrutura. É na direção de Alberto Magno e de seu discípulo Ulrich de Strasbourg, a dos precursores dos místicos da Renânia, que se seguiriam os efeitos do avicenismo.

Al-Hakim bi-Amrillah (985 – [1021] – )

Da mesma época de Avicena, al-Hakim, o VI califa fatimida e XVI Imam ismailita, governou o Império Fatimida, no Egito, entre 996 e 1021. Os drusos o tinham como uma referência muito importante. Holmyard relata a existência de um manuscrito de al-Hakim sobre dois métodos de fabricação do elixir vermelho: um de acordo com o método de Moisés e outro de acordo com o método dos outros profetas, como transmitido pelo Imam Já’far al-Sadiq[15].

Muhyiddin ibn ‘Arabi (1165-1240)

Nascido em Múrcia, na Espanha, foi chamado de “Filho de Platão” e “Mestre Supremo”. Escreveu uma extensa obra, dentre as quais o Livro de Viagem espiritual, em que aborda sua própria miraj (ascensão celeste); Futuhat al-Makkiyya (Livro das Conquistas Espirituais de Meca); Fusus al-Hikam (Gemas das Sabedorias dos Profetas) e o Tratado da Unidade, em que aborda a Unidade indivisível que está presente nas múltiplas formas existentes. Na alquimia, foi influenciado por Jabir ibn Hayyan (Geber). Em Alquimia da Felicidade Perfeita, tratado que faz parte do Livro das Conquistas Espirituais de Meca, diz: Conheço a alquimia pelo caminho da revelação intuitiva, e não pelo atalho de um conhecimento aprendido. Nessa obra, Ibn Arabi chama Jesus de “mestre da Alquimia”: Jesus e João Batista são inseparáveis, dado que ambos suportam juntos a carga desse mistério [Mistério da Gênese]. Jesus detém as duas vias da ciência alquímica [a da produção e a da cura].

Aydamor Jaldaki (m. 1349 ou 1360)

Aydamor ibn ‘Abdillah Jaldakî era originário de Jaldak, uma aldeia de Khorassan. Passou um tempo em Damasco e estabeleceu-se definitivamente no Cairo. Elaborou uma grande obra sobre alquimia, onde se refere frequentemente a Jabir ibn Hayyan (Geber). Henry Corbin diz que ele tinha uma consciência muito viva da alquimia como ciência espiritual e que sua obra contém uma mina de informações. Jaldaki escreveu um comentário a Platão e a Zózimo. Sua obra principal é o Livro da Prova relativa aos Segredos Esotéricos da Ciência da Balança (Kitâb al-borhân fi asrâr ‘ilm al-mîzan).

Essa tradição prolonga-se no Irã por meio da obra de Mîr Fendereski e, mais recentemente, pela Escola Shaykhie. Mir Abu’l Qasim Fendereski (1640) ensinou em Ispahan, onde produziu traduções do sânscrito para o persa. Contemporâneo do alquimista alemão Michael Maier, também escreveu um tratado sobre alquimia. Mais tarde, Sheik Ahmad Ahsa’i (1753-1826), do shiismo dos 12 Imames, inicia a Escola Shaykhi. Henry Corbin estudou durante 20 anos com seus continuadores e traduziu uma obra alquímica de Sheik Ahmad Ahsa’i, presente em Corpo Celeste e Terra de Ressurreição.

A ALQUIMIA NA EUROPA

As traduções das escolas de tradução dos sabeus chegam à Espanha e são traduzidas para o latim na Escola de Tradutores de Toledo, dirigidas por Raimundo Toledo e Gundisalvo. A partir de então, Jabir ibn Hayyan, que recebeu o nome de Geber; al-Kindi (850) e seu livro De Radiis e sua tradução dos comentários de Porfírio às Enéadas IV a VI, de Plotino, que receberam o nome de Teologia de Aristóteles; Avicena e outros passaram a exercer grande influência entre os estudiosos europeus, como Raimundo Lúlio, Arnaldo de Vilanova, Robert Grosseteste, Roger Bacon.

Dois textos alquímicos tiveram muito destaque: Turba Philosophorum Picatrix. Turba Philosophorum é considerado como o mais antigo tratado sobre alquimia em língua latina. Escrito originalmente em árabe, ele faz uma ponte com a alquimia grega, visto que, segundo Arthur Waite, muitas de suas frases e mesmo páginas são praticamente traduções de alquimistas gregos. O Picatrix é uma versão latina de Ghayat al-Hakim (O Objetivo do Sábio). Nele estão presentes o hermetismo, o judaísmo e o neoplatonismo. O texto trata do universo como um sistema de atividade interdependente, onde todas as coisas estão inter-relacionadas. O texto também fala de uma cidade utópica chamada Adocentyn (em árabe, al-Asmunain), construída por Hermes. O tema de uma cidade ideal também aparece posteriormente em Utopia, de Thomas More; em Nova Atlântida, de Francis Bacon; e em Christianopolis, de Johann Valentin Andreae.

Robert Grosseteste (1175-1253)

A partir da obra de al-Kindi, Robert Grosseteste, fundador da Escola Franciscana de Oxford e diretor do Departamento de Filosofia/Teologia dessa universidade, na Inglaterra, fala da luz como princípio formador do universo. Para ele, “o universo é resultado da união da matéria primordial sem forma e luz, da qual a luz visível é apenas um aspecto”[16]. Considera a alquimia como uma ciência subordinada à astrologia[17]. Influencia Alberto Magno e Roger Bacon, que foi seu discípulo.

Alberto Magno (1193-1280)

Nasce na Bavária, na Alemanha, e estuda em Pádua, Bolonha e na Universidade de Paris, onde leciona. Fundou um centro em Colônia, que depois se tornou a Universidade de Colônia. Grande estudioso da natureza, escreveu sobre biologia, zoologia, geografia, mística, filosofia, alquimia, mineralogia, astronomia, fisiologia. Tem contato com escritos árabes. Escreve Libellus de Alchimia, no qual apresenta várias instruções para a prática da arte alquímica[18]. Como era dominicano, ordem onde a Inquisição atua fortemente, suas obras sobre alquimia foram atribuídas postumamente. Alberto Magno tratou da influência dos corpos celestes sobre o ser humano. Foi influenciado por Robert Grosseteste.

Roger Bacon (1214-1292)

Franciscano inglês, estudou em Oxford e em Paris. Foi discípulo de Robert Grosseteste. Escreveu O Espelho da Alquimia, no qual se refere a Hermes como mestre iniciado. Nesse pequeno tratado fala da composição dos metais de acordo com as teorias de Avicena. Dedicou o terceiro livro de seu Compendium Philosophiae à arte alquímica, uma das primeiras obras europeias que tratam disso. Define a alquimia como a ciência da geração das coisas a partir dos elementos.  Dizia que a astrologia, a alquimia e a medicina estavam inter-relacionadas. Falava da correspondência entre as estrelas, os humores, as qualidades, os elementos e os metais. Considerava a alquimia uma ciência de alto nível, porque contém em si a prática e a teoria, e pretendia fazer uso dela na medicina. Sobre alquimia, além de Espelho da Alquimia, escreveu também os textos alquímicos Breve Breviarium, Tractatus Verborum, Epístola sobre as Operações Secretas da Arte e da Natureza Sanioris Medicinae Magistri, mas sobre este último pairam dúvidas sobre sua autoria.  Roger Bacon fala da inter-relação entre alquimia, ética e “salvação” de modo muito semelhante à ioga tântrica budista[19]. Case o homem branco com a mulher vermelha, dizia.

Raimundo Lúlio (1232-1315)

Nasce em Palma de Majorca, onde havia uma grande população de judeus e muçulmanos.  Estuda filosofia, química e medicina árabes. Em Marselha, Narbonne, Montpellier, tem contato com o grão-mestre templário, Pere Olleu, e com Arnaldo de Vilanova, que reúne a ciência da arte de curar com astrologia e alquimia. Estuda Pitágoras e neoplatonismo, que funde com a mística sufi árabe e com o sistema cabalista. Retoma as hierarquias celestes de Pseudo-Dionísio e o platonismo cristão de Escoto Eriúgena, por quem é influenciado. Constrói um sistema de combinação de letras relacionado com a cabala, ressaltando os aspectos esotéricos do hebraico e do árabe. Adapta a mística sufi e a cabala hebraica, criando os fundamentos da cabala cristã. Dizia que o cristianismo vinha da cabala. Procura promover um diálogo entre cristãos, muçulmanos e judeus, buscando o ponto comum entre as três tradições.  De Ibn Arabi, místico sufi, enfoca a unicidade do ser. Escreveu tratados sobre alquimia, astronomia, astrologia, cabala judaica, hermetismo e teoria dos elementos. Entre eles estão Ars MagnaO Livro das Maravilhas, Novo Tratado de AstronomiaOs Cem Nomes de Deus, O Livro da Ordem da Cavalaria. Em Novo Tratado de Astronomia fala da influência dos corpos celestes sobre os terrestres. Algumas de suas obras foram escritas em árabe. Raimundo Lúlio Influenciou Johann Reuchlin, Lutero e Leibniz. Em Psicologia e Alquimia, Jung aponta que Lúlio foi um dos primeiros a fazer uma relação entre a pedra filosofal e Christos, como um testemunho da natureza espiritual da obra alquímica.

Arnaldo de Vilanova (1235-1311)

Também chamado de Arnaldus de Villa Nova, Arnaud de Villeneuve, Arnaldus de Villanueva, foi médico, alquimista, astrólogo e físico. De Valência, atuou na Catalunha. Estudou com os árabes da Espanha. Sua medicina baseava-se na ideia do ser humano como um microcosmo e um composto dos quatro elementos. Aproximou o processo alquímico ao sofrimento de Cristo. Viveu na corte de Aragão e ensinou muitos anos na Escola de Montpellier de Medicina, onde teve contato com Raimundo Lúlio. Foi para Paris onde se tornou um personagem muito respeitado, porém, fugindo da Inquisição, foi para a Sicília. Escreveu Sobre o Regime de Saúde, Rosarius Philosophorum, Novum Lumen, Flos Florum, Breviarium Practicae. Traduziu textos médicos a partir do árabe, incluindo Avicena. Depois de sua morte, muitos de seus livros foram queimados pela Inquisição.

Basílio Valentim (c. 1394-1450) 

Segundo Arthur Waite, foi um dos filósofos adeptos mais ilustres. Nascido em Mainz, na Alemanha, foi prior do mosteiro beneditino de S. Pedro, em Erfurt, em 1414. Distinguiu-se por um profundo conhecimento da natureza. Recomendava tanto o estudo das obras dos filósofos quanto os experimentos práticos. Escreveu, entre outras obras, Carruagem Triunfal do Antimônio; As Doze Chaves Filosóficas; A Medicina dos Metais; Sobre Coisas Naturais e Supranaturais, ou Tratado Alquímico-Filosófico; Apocalipse Alquímico; Sobre a Primeira TinturaA Raiz e o Espírito dos Metais; Sobre o Microcosmo; Sobre o Grande Segredo do Mundo; Sobre os Aspectos dos Sete Planetas; Azoto, o Ouro Oculto dos Filósofos; e Testamento. No Testamento ele explica algumas chaves de Doze Chaves Filosóficas. O Testamento contém também um apêndice traduzido de um manuscrito secreto. Utilizou a simbologia cabalística. É dito que cada letra e sílaba do Carruagem Triunfal do Antimônio tem um significado especial. Nesse tratado, Basílio Valentim trata da pedra filosofal como um composto branco e vermelho. Ensinava que os que desejam obtê-la devem trabalhar com muita prece, reconhecimento de seus erros e boas ações. É dito que 21 manuscritos seus foram escondidos em um pilar da abadia e foram descobertos depois que o pilar foi aberto por um raio dos céus. Todos estão no terceiro volume de História da Filosofia Hermética[20], de Langlet. O editor dos textos foi Johann Tholde, em 1602. Por isso alguns acreditaram que Basílio era do séc. XVII. 

Bernardo Trevisano (1406-1490)

Desde os 14 anos interessou-se pela alquimia. Leu autores árabes, principalmente Geber. Realizou diversas viagens pela Europa, terminando seus dias na ilha de Rodes. Visitou a Escócia e a Holanda, onde teve contato com o cabalista Isaac de Holanda.

George Ripley (c. 1408/15-1490)

 Ainda jovem ingressa na Diocese de York, na Inglaterra, onde começa a estudar a Arte Alquímica. Viaja para a França, Alemanha, Itália. Estuda alquimia em Rodes, onde é recebido pelos Cavaleiros de São João de Jerusalém. Ripley era ligado também aos cavaleiros de Malta. Após retornar para a Inglaterra portando os segredos da transmutação, ingressa em um mosteiro carmelita, em Lincolnshire.  Escreveu 25 livros sobre alquimia, entre eles O Composto da Alquimia, ou As Doze Portas para a Descoberta da Pedra Filosofal, em 1471, e A Medula da Alquimia. Disse que o que foi escrito de 1450 a 1470 foi escrito só pela teoria e descobriu que não era verdadeiro[21]. Foi um dos primeiros a divulgar o ensinamento de Raimundo Lúlio. Segundo Arthur Waite, posteriormente, suas obras pavimentaram a via real da iniciação de Irineu Filaletes, que fez muitos comentários sobre ele.  Elias Ashmole publicou obras de Ripley e de seu discípulo Thomas Norton em Theatrum Chemmicum Britannicum. Jung recorre à obra George Ripley em Psicologia e Alquimia para fundamentar sua defesa da sua interpretação espiritual da alquimia.

Thomas Norton (   -1517)

Discípulo de George Ripley, nasceu na região de Bristol. Iniciou seus estudos alquímicos ainda jovem e, segundo suas próprias palavras, obteve o conhecimento do método de preparação do Elixir de Ouro à idade de 28 anos. Seus conhecimentos alquímicos foram expostos em três obras: O Livro do Ritual de Alquimia, Sobre a Transmutação dos Metais e Sobre a Pedra Filosofal. O único que foi publicado foi O Livro do Ritual de Alquimia, inicialmente por Michael Maier e, posteriormente, por Elias Ashmole, que o incluiu em sua coletânea chamada Theatrum Chemmicum Britannicum. Em suas obras cita Anaxágoras, discípulo de Pitágoras; Raimundo Lúlio, Alberto Magno e Roger Bacon. No séc. XVII, Michael Maier publica seu livro. Ripley faz alusão ao voto rosacruz de transmitir o ensinamento a somente uma pessoa. Ashmole afirma que Norton era “o mais hábil alquimista de seu tempo” e aponta que, com a primeira palavra de seu Proêmio e as letras iniciais dos seis capítulos seguintes, pode-se descobrir seu nome e residência: “Tomais Norton de Briseto, um perfeito Mestre pode chamá-lo em verdade”.

A ALQUIMIA E A RENASCENÇA

Marsilio Ficino (19/10/1433-1499)

Patrocinado por Cosimo e Lorenzo de Médici, Ficino fundou a Academia Platônica em Careggi, perto de Florença, que se tornou o centro de um movimento de retomada do platonismo, neoplatonismo e hermetismo que ficou conhecido como Renascimento. Ficino falava de uma sabedoria antiga secreta, que chamou de Prisca Theologia, originada na Pérsia com Zoroastro; no Egito com Hermes Trismegisto; e Orfeu na Grécia, chegando a Pitágoras e, posteriormente, a Platão[22]. Essa sabedoria foi retomada em Alexandria. Ficino traduziu para o latim Platão, Plotino, Porfírio, Jâmblico (Sobre os Mistérios Egípcios), Sinésio, Proclo, Pseudo-Dionísio, Miguel Psellus. Traduziu também o Corpus Hermeticum, trazido da Macedônia por Georgios Gemistos Plethon, que convence Cosimo a preservar a cultura greco-bizantina e impulsiona os estudos platônicos em Florença. Hinos de Orfeu e ditos de Zoroastro também foram traduzidos por Ficino, que escreveu Teologia Platônica, ou A Imortalidade das Almas, em 18 volumes; comentários a Platão (Sobre o Amor), e a Plotino, e também sobre alquimia. Também revitalizou o cristianismo, fazendo comentários às Cartas de Paulo. Fizeram parte da Academia Pico della Mirandola, Francesco Giorgio, Lefèvre d’Etaples, John Colet, Johannes Reuchlin.

Pico della Mirandola (1463-1494)

Giovanni Pico della Mirandola foi celebrado por sua precocidade, pela extensão de seu conhecimento, por sua grande memória e seu intelecto aguçado. Estudando com o judeu Elia del Medigo, aprendeu o hebraico e a cabala. Fundiu o hermetismo, que chegou a ele por meio de Ficino, e a cabala, que estava se tornando cada vez mais cristã.  Aos 24 anos, publicou 900 proposições sobre lógica, matemática, física, divindade e cabala, reunidas a partir da obra de escritores gregos, latinos, judeus e árabes. Dentre os árabes, recorria a Avicena. Com ideias cabalistas e neoplatônicas, procurava estabelecer um diálogo entre as tradições cristã, judaica e islâmica. Escreveu sobre os Oráculos Caldeus, a partir de uma versão em caldaico que ele possuía e que afirmava que não tinha os defeitos da tradução para o grego que circulava na época. Ele dizia que buscava a paz filosófica e a paz religiosa. Procurava colocar em acordo filósofos que aparentemente estavam em desacordo. Escreveu Discurso sobre a Dignidade do Homem, O Ser e o Uno, Heptaplus, sobre o início do Gênesis, e comentou O Banquete, de Platão. Influenciou Cornelius Agrippa. Com Pico, a alquimia assumiu uma tonalidade mais cabalista. Com Lorenzo de Médici, organizou uma biblioteca na Academia Platônica. Morreu oficialmente aos 31 anos.

Fernando de Córdoba, ou Pelagius (1422-1480)

Filósofo neoplatônico de Majorca. Viajou pela Europa antes de se fixar na ilha. Aos 20 anos dominava o latim, grego, hebraico, caldaico e árabe e sabia de cor as obras de Platão, Avicena e outros. Possuía uma grande biblioteca, com manuscritos secretos.

Johannes Reuchlin (1455-1522)

Também chamado de Capnion, foi um dos grandes personagens do Renascimento na Alemanha. Absorveu grande parte de seus conhecimentos sobre a cabala de Pico della Mirandola, de quem era amigo, dos judeus Obadiah Sforno e Jacob Loans e do cabalista espanhol Joseph ben Abraham Gikatila. Falava da natureza simbólica do pitagorismo e da cabala e comparava o Tetraktys ao Tetragramaton. Interessava-se também pelos ensinamentos de Orfeu e pelos neoplatônicos. Dá continuidade à ideia da Prisca Theologia, a Antiga Teologia, de Marsilio Ficino. Escreveu Sobre a Arte Cabalística, na forma de um diálogo entre um pitagórico, um judeu e um muçulmano, buscando o que há de comum entre essas tradições, e De Verbo Mirifico. Escreveu uma interpretação da cabala em que descreve o universo em sua constituição séptupla. Quando denunciou a queima das bíblias hebraicas, foi expulso da Alemanha, e suas obras foram queimadas. Foi professor de Lutero e Melancthon, seu sobrinho, e foi perseguido por sua glorificação da cabala judaica.

Francesco Giorgio (1456/66-1535/40) 

Francesco Giorgi ou Zorzi, foi discípulo de Pico della Mirandola na cabala cristã. Era ligado ao convento franciscano de São Francesco della Vigna, em Veneza. Frances Yates, em The Occult Philosophy in the Elizabethan Age, informa que, além de fundir o platonismo, o hermetismo e a cabala, a cosmologia e a ética, suas ideias eram eminentemente cristãs. Como Pico, via muitas correspondências entre o sistema hebraico e os ensinamentos de Hermes Trismegisto. Giorgio falava das hierarquias angélicas cristãs mostrando que elas eram semelhantes a sistemas angélicos cabalistas. Tratou do Templo de Salomão e de como o número, a medida e o peso governam o mundo criado. Ele falou também da Unidade da qual todas as coisas procedem, de modo aritmético, geométrico, harmônico e musical. Em suas obras ele se refere também a métodos cabalistas de meditação e termina com um hino a Mercurius Trismegistus. Giorgio cita constantemente a palavra “Uno”, ou “Monas”. Ainda segundo Yates, ele desejava ser o portador de uma sabedoria capaz de incluir Hermes Trismegisto, Orfeu, Francisco de Assis, Platão, os cabalistas e Plotino em um entendimento comum do mistério do mundo e do destino espiritual do homem no retorno ao Uno. Falava de magia associada ao misticismo franciscano. Suas ideias são bem próximas às de Cornelius Agrippa, com quem teve breve contato. A cabala cristã de Giorgio será retomada posteriormente pelo alquimista rosacruz Robert Fludd. Giorgio teve uma grande influência no Renascimento inglês e francês. Sua obra foi importante para a transmissão da cabala cristã. Publicou De Harmonia Mundi, que enfatiza as relações entre o microcosmo e o macrocosmo, e Problemata, que trata de temas cabalistas.

Judá Abravanel (1464-1530)

Yehuda ben Yitzhak Abravanel, também chamado de Léon Hebreu e Léon Médico, nasceu em Lisboa. Seu pai, Isaac Abravanel, foi um líder cabalista entre os judeus e foi influenciado pela Renascença italiana, especialmente pelas ideias de Ficino sobre a Prisca Theologia, que moldaram sua visão sobre a Cabala[23]. Judá trabalhou com seu pai publicando livros. Sua família foi obrigada a se retirar de Portugal e também da Espanha, onde haviam se refugiado, dirigindo-se para a Itália. Léon estabelece-se em Gênova e em Veneza, onde exerceu a medicina. Escreveu Diálogos de Amor, de forte influência renascentista, em que aborda um diálogo entre Filon e Sophia, que representam o amor e a sabedoria; De Harmonia Caeli, Versos Hebraicos, estes últimos de cunho mais autobiográfico. Também influenciado por Marsilio Ficino, Judá Abravanel retoma as ideias Pitágoras, Empédocles e Anaxágoras, Platão e Plotino[24].

Tritêmio (1462-1516)

Nasceu em Trittenheim, na Alemanha. Em Heidelberg ingressa em um centro franciscano, onde estuda com Reuchlin, discípulo de Pico della Mirandola. Aos 20 anos ingressa no mosteiro de Spanheim, do qual se torna abade aos 22 anos. Enriquece a biblioteca do mosteiro com livros de todos os ramos do conhecimento em latim, grego, hebraico, siríaco, árabe e várias línguas europeias, tornando-a uma das mais importantes da época. Libanius Gallus, discípulo de Fernando de Córdoba, visita Spanheim e ensina-lhe a cabala. Segundo Tritêmio, Libanius foi um dos mais sábios doutores que conheceu. Tritêmio é convidado a ir para o mosteiro de S. Tiago, em Würzburg, cuja matriz localizava-se na Escócia. Funde cristianismo, hermetismo, cabala, alquimia, astrologia e magia. Assim como Reuchlin, que vai ao mosteiro de Tritêmio em 1510, desenvolve um sistema de teologia mágica que depende da harmonia entre os mundos material, celestial e ideal. Escreve Steganographia, um importante manual da prática da cabala, Poligrafia De Septum Secundeis, que trata de uma história do mundo baseada na astrologia, e também uma autobiografia. Em Steganographia há um sofisticado sistema de criptografia. Foi mestre de Agrippa, a quem deixa suas anotações por testamento, e de Paracelso.

Agrippa (14/11/1486-1534/5)

Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim nasce em Colônia, na Alemanha. Em 1507 estuda cabala na Espanha. Visita Tritêmio em 1509/10 e, aos 24 anos, escreve A Filosofia Oculta, uma mistura de neoplatonismo e cabala, dedicando-a a Tritêmio, com quem mantém correspondência.  Vai para Londres em 1510, onde funda uma escola e encontra-se com John Colet, que estudou em Florença com Ficino e organizou a escola da Catedral de S. Paulo, da qual também participou Thomas More. Colet ensina os comentários de Ficino às cartas de Paulo, e Agrippa também faz um comentário a Paulo.  Um elo entre os dois é a cabala. Em 1511 vai para a Itália, onde entra em contato com a tradição hermética e a cabala com continuadores de Marsilio Ficino e Pico della Mirandola. Teve um breve contato com Francesco Giorgio em Veneza e também com Lefèvre d’Etaples, que traduziu Jâmblico, publicou a tradução de Ficino de Poemandres e comentou Asclépio. Agrippa convive com Johannes Reuchlin em 1518, escreve comentários ao De Verbo Mirifico e realiza uma série de palestras sobre essa obra em Dole, na França, onde montou um laboratório alquímico. Na França, em 1626, publica Sobre a Incerteza e a Vaidade das Ciências e tem contato com alquimistas seguidores das ideias de Raimundo LúlioComenta o Ars Brevis, de Lúlio.  Em suas obras, trata do homem como um microcosmo e da correspondência com o macrocosmo. Segundo Arthur Waite, estava totalmente convencido da noção platônica das Ideias superiores e de que todo o mundo tem sua contraparte celeste. Escreve uma interpretação esotérica do Novo Testamento. Cita constantemente Platão, Plotino, Proclo e outros neoplatônicos e Hermes Trismegisto. Em A Filosofia Oculta faz referência a estudos alquímicos e experimentos que ele próprio havia feito. No final dessa obra foi anexada a carta que Tritêmio escreveu comentando o livro a seu pedido. Em Sobre a Incerteza e a Vaidade das Ciências também faz afirmações relacionadas com a alquimia. Escreveu também A Magia de Arbatel, Diálogos do Homem, Sobre a Imaginação, Geomancia e comentários a Hermes Trismegisto. As cartas que escreveu e recebeu mostram que fazia parte de uma sociedade secreta. Considera a Grande Obra uma busca espiritual.

Paracelso (10/11/1493-1541)

Médico e alquimista, foi influenciado por Ficino, hermetismo e cabala. Aureulus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, depois chamado Paracelso, nasceu em Einsiedeln, na Suíça. Seu pai era um médico que possuía uma grande biblioteca e já estudava alquimia. Seu avô era grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros de S. João. Aos 16 anos de idade, estudou na Universidade de Basileia. Seu pai o envia para Würzburg, para estudar com Tritêmio, com quem estudou alquimia e química. Seus escritos tratam de alquimia, cosmologia e medicina. Ensinava que o médico deve tratar do corpo e da alma e tentar colocá-los em harmonia. É considerado o pai da medicina moderna, sendo o primeiro a introduzir elementos químicos nos remédios e em suas práticas médicas. Viajou para a França, Itália, Holanda, Alemanha, Polônia, Suécia, Dinamarca, Turquia, Rússia.  Em Moscou encontrou um príncipe tártaro com quem viajou para Constantinopla. Passou alguns meses nessa cidade, na casa de um famoso ocultista conterrâneo seu[25]. Nesse lugar, encontrou o que chamou de Pedra dos Filósofos. “Tudo”, diz Paracelso, é o Uno, e sua origem só pode ser a Unidade Eterna”. “O homem é um microcosmo do macrocosmo”. “Tudo o que existe no universo existe também no homem”. “A alquimia é uma arte que não pode ser entendida sem o conhecimento espiritual”. A doutrina das assinaturas é geralmente associada ao ensinamento de Paracelso, semelhante ao ensinamento de Swedenborg sobre as correspondências. Ele era versado na sabedoria da Caldeia, do Egito e Índia, contudo ensinava o cristianismo, pois sua maior referência era Jesus, que para ele era um mestre divino. Paracelso foi influenciado também por Geber, Arnaldo de Vilanova e Roger Bacon. Tinha interesse por hermetismo e alquimia árabe. Seus escritos dividiam-se em medicina, alquimia, história natural, filosofia e magia, plantas e ervas. Para ele, a astrologia e a alquimia eram base para a medicina. O alquimista rosacruz Robert Fludd baseou-se também em Paracelso para desenvolver suas ideias. Também retomaram suas ideias Eckartshausen e Robert Boyle. Jung realizou duas palestras sobre ele, cujo registro consta de O Espírito na Arte e na Ciência.

Gerhard Dorn (c. 1530-1580)[26]

Alquimista, médico e filósofo belga, reuniu vários manuscritos de Paracelso e traduziu-os para o latim, comentou-os e publicou-os pela primeira vez. Alguns estudiosos chegaram a sugerir que algumas obras poderiam ser de sua própria autoria. Comentou também as ideias de Tritêmio. Durante sua vida viveu em várias cidades, entre elas, Basileia e Frankfurt, onde terminou seus dias. Enfatizava que a obra alquímica era um trabalho de purificação. Dorn estabeleceu o conceito de Unus Mundus, que, na psicologia de Carl Jung, seria considerado o último grau do processo de individuação. Esse conceito aponta para o estado em que o indivíduo deixa de ser dual (“in-dividuação”) e alcança o estado de unificação com o Uno, um princípio de unidade que permeia todos os fenômenos. Gerard Dorn era pouco conhecido antes de Jung, que o apontou como um dos principais precursores de suas ideias, citando-o em suas obras que tratam de sincronicidade e alquimia. Os tratados de Dorn são: Clavis Totius Philosophiae Chymisticae, que foi dividido em duas partes, das quais a segunda é De Philosophia Speculativa; De Artificio Supernatural; De Naturae Luce Physica; Physica Genesis; Physica Hermetis Trismegisti; Physica Trithemii; Philosophia Meditativa; Philosophia Chemica; De Tenebris contra Naturam et Vita Brevis; Congeries Paracelsicae Chemicae de Transmutationibus Metallorum; De Genealogia Mineralium ex Paracelso; Dictionarium Theophrasti Paracelsi.

Heinrich Khunrath (1560-1605)

Médico seguidor de Paracelso, faz parte da linhagem dos cabalistas cristãos que surgiu a partir do século XV com Pico della Mirandola e continuou com Johann Reuchlin, Leon Hebreu, Cornélio Agrippa. Estudou astrologia, cabala e alquimia. Nasceu em Leipzig, na Alemanha, e estudou em Basileia, na Suíça. Atuou em Dresden, Magdeburgo e Hamburgo. Escreveu diversas obras, dentre as quais a mais conhecida é Anfiteatro da Sabedoria Eterna, que trata dos aspectos místicos da alquimia. Essa obra permaneceu inacabada e foi terminada por seu discípulo Erasmus Wolfart. Sob o pseudônimo de Ricemus Thrasibulus, escreveu Exortação e Aviso Àqueles que Amam a Arte de Transmutar os Metais. Escreveu também Explicações Filosóficas sobre o Fogo Secreto. Realizou diversas viagens, permanecendo um tempo em Praga, na corte de Rodolfo II, imperador que estimulou a criação de um centro de estudos, principalmente de alquimia e cabala. Outro texto escrito por Khunrath foi Uma pequena Canção Filosófica sobre a Incorporação do Espírito do Senhor no Sal. Teve grande influência sobre Johann Valentin Andreae, o que pode ser percebido em Bodas Alquímicas de Christian Rosenkrantz.

Jacob Boehme (1575-1624)

Místico alemão, aos 25 anos escreve Signatura Rerum. Em 1610 publica a obra A Aurora Nascente. Via o universo como um grande processo alquímico. Tratou da criação divina e humana e escreveu Misterium Magnum, um comentário ao Gênesis. Escreveu diversas obras, dentre as quais estão Os Três Princípios; Resposta a 40 questões; Diálogos Místicos; O Caminho de Cristo; A Sabedoria Divina. Posteriormente, Claude de Saint-Martin traduziu algumas de suas obras para o francês.

OS ALQUIMISTAS ROSACRUZES

O Rosacrucianismo foi um movimento que surgiu na Alemanha e continuou na Inglaterra. Ele passou a ser conhecido no século XVII a partir de três manifestos que circularam pela Europa: Fama Fraternitatis; Confessio Fraternitatis e Bodas Alquímicas de Christian Rosenkrantz. Foram chamados de Filósofos do Fogo Robert Fludd, Michael Maier, Thomas Vaughan e Jan Amos Comênio. No contexto histórico de conflitos sangrentos entre católicos e protestantes, os Filósofos do Fogo, como eram chamados os filósofos rosacruzes, propunham uma profunda reforma conciliadora no campo espiritual, intelectual e educacional.

Os Manifestos Rosacruzes

Fama (1614), Confessio (1615) e Bodas Alquímicas de Christian Rosenkrantz (1616) foram os manuscritos que divulgaram o movimento rosacruz na Europa. O Fama Fraternitatis, publicado em 1614, dava a notícia de um personagem nascido na Alemanha chamado Christian Rosenkrantz, que fazia parte de um mosteiro na Alemanha e que foi levado para Chipre e Damasco, na Síria, onde teve acesso a conhecimentos elevados de física, matemática, alquimia e cabala. Depois terminou sua formação no Egito e no Marrocos. Levou seus conhecimentos para a Espanha e Alemanha, onde não foi bem acolhido. Formou um pequeno grupo reservado com mais três companheiros, que se perpetuou por meio de seus discípulos até o momento determinado para se tornarem públicos. Christian Rosenkrantz aprendeu o árabe e escreveu o Livro M. Escreveu também o que chamou de Nova Axiomata, uma nova forma de apresentar as coisas. Construiu uma biblioteca. Confessio Fraternitatis é um chamamento dirigido à sociedade para que buscasse a suprema sabedoria, levada para a Europa por meio de Christian Rosenkrantz. As Bodas Alquímicas de Christian Rosenkrantz são o relato de um casamento ao qual comparece Christian Rosenkrantz, repleto de simbolismo alquímico. Os manuscritos originaram vários outros textos entre 1614 e 1620, o que ficou conhecido como Furor Rosacruciano.

Francis Bacon (1561-[1626]-)

Francis Bacon foi o grande organizador da Fraternidade Rosacruz em sua época e propunha uma reforma do conhecimento, da educação e da ciência, o que intitulou de A Grande Restauração. É considerado o pai da ciência moderna, pois propunha a observação como método para se adquirir conhecimento. Escreveu O Avanço do Conhecimento; Promus; Meditações Sacras; Sulphur, Mercúrio e Sal; Máximas da Lei; Novum Organum; A Sabedoria dos Antigos, sobre mitologia grega e romana, livro que influenciou o alemão Michael Maier. Escreveu também A Nova Atlântida, onde descreve uma sociedade utópica de onde sábios formados na Casa de Salomão periodicamente se misturam reservadamente com os habitantes das cidades que visitavam. Seus escritos contêm ideias semelhantes às contidas nos manifestos rosacruzes, um dos motivos pelos quais é considerado o provável autor deles. Organizou um núcleo de tradução e de produção de textos que realizou, dentre outras obras, a tradução da Bíblia, conhecida como King James Bible. Em Gorhambury, fundou sua editora. Fundou a Sociedade Rosacruz Literária com o dramaturgo Ben Jonson, seu conselheiro e assistente, e dentro dela criou a Ordem dos Cavaleiros do Elmo. No continente, mantinha contato com a família de Johann Valentin Andreae (1586-1654), autor de Christianópolis, que descreve um utópico Estado cristão, e Torre de Babel, sobre o movimento rosacruz. F.W.C. Wigston defende que Bacon foi o autor das peças de Shakespeare e que as peças contêm mensagens rosacruzes cifradas. Também é defendido que Francis Bacon é o verdadeiro autor das obras de Marlowe, Edmund Spenser e Cervantes. As obras de Spenser baseiam-se na cabala cristã e neoplatônica de Francesco Giorgi e Cornélio Agrippa. A Anatomia da Mente, depois chamada de A Anatomia da Melancolia, também foi escrita por ele, com o pseudônimo de Robert Burton e Democritus Junior, em referência ao filósofo pré-socrático Demócrito de Abdera (c. 460 a.C- 370 a.C.). Bacon escreveu também A Tragédia de Arthur, A Vida de Merlin e Viagem a Parnaso, onde constava o Fama Fraternitatis como apêndice. Recebeu os títulos de Lord Verulam e Visconde de St. Albano. Francis Bacon foi um Imperator, ou diretor, da Fraternidade Rosacruz de seu tempo, assim como Agrippa também o foi em sua época. Anthony Bacon, seu irmão adotivo, fazia parte de sua equipe.

Michael Sendivogius (1562-1646)

Atuou na Polônia e em Praga, capital da antiga Boêmia (República Checa), onde fez parte da corte de Rodolfo II, sendo nomeado seu conselheiro. Escreveu Nova Luz da Alquimia, composto de doze tratados sobre a Pedra dos Filósofos, onde afirma que a Natureza originou-se de uma única semente e que essa semente está presente em tudo. Também escreveu Tratado sobre o Sal dos Filósofos e um tratado sobre o enxofre. Tinha contato próximo com o alquimista escocês Alexander Sethon (   – 1604), chamado de Cosmopolita. Em Praga formou um núcleo informal chamado Sociedade Alquímica de Praga, do qual também participaram Michael Maier e Daniel Stolcius. Michael Maier admirava Sendivogius como um verdadeiro adepto e o chamava de Heliocantharus Borealis. Sendivogius também era chamado de Polonus e Sarmata. Posteriormente, formou um núcleo chamado Sociedade dos Filósofos Desconhecidos, uma sociedade hermética para promover o avanço do conhecimento no campo da alquimia.

Michael Maier (1569-1622)

Ressaltou o aspecto alquímico do movimento rosacruz. Nascido na Alemanha, atuou na corte do Imperador Rodolfo II como seu médico pessoal. Após a morte deste, mudou-se para Hesse-Cassel. Permaneceu por cinco anos na Inglaterra, onde conheceu Robert Fludd e seu amigo William Paddy, médico de Jaime I. Aparece como escritor alquimista logo depois da divulgação dos manifestos rosacruzes, publicando Arcana Arcaníssima. Escreveu Atalanta Fugiens (1618), livro de emblemas com comentários filosóficos; Silentium post Clamores, onde se refere à alquimia como uma tradição oral muito antiga, e os alquimistas rosacruzes como seus preservadores; Symbola Aureae Mensae (1617), em que exalta a alquimia, a sabedoria de Hermes e a santidade da Virgem, ou Rainha da Alquimia. Fala de 12 escolas de Mistérios, sendo a primeira a de Hermes, no Egito; e a última, a dos rosacruzes. Em Themis Aurea (1618) pretende revelar a estrutura da sociedade rosacruz e suas leis. Em muitas de suas obras faz uma interpretação alquímica dos mitos da Antiguidade. Ele afirmava que os rosacruzes eram dedicados ao estudo da natureza e à realização de uma profunda reforma, visto que possuíam um profundo conhecimento de astronomia, física, matemática, medicina e química. Retoma as ideias de Raimundo Lúlio e Arnaldo de Villanova.  Traduziu O Livro do Ritual de Alquimia, de Thomas Norton, e publicou obras de Basílio Valentim. Suas obras foram reeditadas por seu discípulo Daniel Stolcius na publicação intitulada Viridarium Chymicum.

Robert Fludd (17/1/1574-1637)

Este médico inglês é considerado um dos últimos “homens da Renascença”. Estudou na Faculdade de St. John, em Oxford, onde se interessou pelo neoplatonismo. Posteriormente, graduou-se em Medicina na Faculdade da Igreja de Cristo, em Oxford. Em A História do Macrocosmo e do Microcosmo (1617-1626), combina um exame prático da Natureza com a visão espiritual do Universo como uma hierarquia de inteligências cósmicas[27]. Procurou resumir o conhecimento do universo e do homem, do macrocosmo e do microcosmo, e as relações entre eles, buscando uma harmonia entre ambos[28]. Para ele, o homem é o universo em miniatura, e o universo é um grande ser. Fludd foi muito influenciado pelo Harmonia Mundi, de Francesco Giorgi, cujas ideias defendeu veementemente contra ataques. Mencionou Tritêmio, Raimundo Lúlio e Paracelso em suas obras. Fludd é considerado a maior expressão da tradição cristã neoplatônica e hermética da Renascença, que começou com Marsílio Ficino, em Florença. Suas ideias refletiam o neoplatonismo unido à alquimia. Escreveu um comentário ao neoplatônico Proclo. Com o pseudônimo de Rudolfo Otreb, Britanno, escreveu também Tratado Teológico-Filosófico sobre Vida, Morte e Ressurreição. Ele diz que Uma Chave Filosófica, cujo cerne é o tratado “Da Excelência do Trigo”, que trata de um experimento alquímico, é a base de toda a sua filosofia. Além disso, escreveu Declaratio Brevis, Anatomiae Amphitheatrum, no qual trata de uma anatomia mística. Assim como os cabalistas renascentistas, falava de cabala com linguagem cristã. Falava também da Unidade e do processo de criação dos mundos, procurando mitos da criação na Bíblia e no Corpus Hermeticum. Teogonia e angelologia também foram tratados por ele. Sobre a música apontava as relações que a harmonia implica. Monochordium Mundi é uma resposta que escreve a Johannes Kepler, de quem discordava. Com o pseudônimo de Joachim Frizius, escreveu Summum Bonum, no qual há uma carta em que aborda as qualificações requeridas a um aspirante. Nesse livro defende que a fraternidade rosacruz é uma fraternidade espiritual. Frequentava a loja maçônica Companhia dos Maçons, em Londres.

Jan Amos Comenius (1592-1670)

Sacerdote, místico, historiador, filósofo, linguista e cartógrafo, procurou implementar uma ampla reforma educacional a partir dos ideais presentes nos manifestos rosacruzes; no Avanço do Conhecimento e em Nova Atlântida, de Francis Bacon; e no novo modelo de sociedade cristã que Johann Valentin Andreae apresentava. Nascido na Boêmia (atual República Checa), Comênio foi um continuador das ideias de Jan Huss (1372-1415), reitor de uma universidade de Praga que encampou os preceitos de um dos precursores da reforma protestante, o inglês John Wycliffe (1328-1384). Comênio foi o último dos sacerdotes do núcleo hussita Irmãos da Boêmia. Quando jovem, estudou nas Universidades de Herborn e Heidelberg, na Alemanha, onde lhe foi apresentada a tradição hermética e pansófica da Renascença. Foi influenciado também pela visão de Raimundo Lúlio sobre a presença da divindade em tudo o que existe. Seu pensamento sobre a educação estava baseado em conceitos neoplatônicos. Considerava que a educação deveria promover o desenvolvimento psicológico ético e espiritual, pelo qual o indivíduo poderia compreender a si mesmo e reconhecer a divindade presente em todas as coisas. Com Samuel Hartlib (c. 1600-1662) formou um grupo em Londres para promover o avanço do conhecimento. Um dos tópicos discutidos por eles eram as obras de Michael Sendivogius. Considera-se que a Sociedade Real de Ciências da Inglaterra (Royal Society) em seus inícios e a UNESCO representam um legado direto de seu pensamento. Já em sua época alertava para o fato de que, se a ciência se considerasse como um fim em si mesmo, o trabalho não seria feito em direção aos céus, mas em direção à terra. É considerado um elo da maçonaria com o rosacrucianismo.

Thomas Vaughan (1612- [1665]- 1685)

Nascido no País de Gales, ingressou na Fraternidade Rosacruz em 1633, com 24 anos, na Escócia. Estudou em Oxford, onde teve contato com Robert Fludd. Interessava-se muito por hermetismo e alquimia. Admirava Apolônio de Tiana, Pico della Mirandola, Cornelius Agrippa, George Ripley. Considerava Tritêmio, Reuchlin e Michael Sendivogius como seus mestres. Com Thomas Henshaw, criou um núcleo de pesquisas alquímicas que buscava reunir manuscritos e traduzi-los. Henshaw e Vaughan associaram-se ao grupo de Samuel Hartlib e fizeram publicações. Com o pseudônimo de Eugênio Filaletes, escreveu textos filosóficos, como Aula Lucis. Com o pseudônimo de Irineu Filaletes, escreveu textos alquímicos, como Entrada Fechada para o Palácio Aberto do Rei. Também utilizou o nome George Starkey, que utilizou nas duas vezes em que esteve nos Estados Unidos buscando criar núcleos rosacruzes e atuando em Harvard. Publicou uma tradução para o inglês dos Manifestos com uma introdução sua, em 1652. Morou e trabalhou com Elias Ashmole, e juntos publicaram Theatrum Chemicum Britannicum. Mantinha contato com Robert Moray (1608-1672/3), seu tutor na alquimia e maçom da loja Capela de Santa Maria, em Edimburgo, Escócia, a partir da qual se começa a falar em maçonaria especulativa. Dizia que sua fonte de inspiração era Apolônio de Tiana. Participou como um dos assinantes fundadores da Sociedade Real de Ciências da Inglaterra, da qual Elias Ashmole, Robert Boyle e Isaac Newton fizeram parte. A Royal Society foi fundada em 1660 por Christopher Wren, Robert Boyle e John Wilkins e buscava realizar a reforma proposta pelos rosacruzes. Seu primeiro presidente foi Robert Moray.

Elias Ashmole (1617-1692)

Antiquário, historiador, alquimista, reuniu importante coleção de escritos alquímicos inéditos em seu tempo sob o título de Theatrum Chemicum Britannicum, que publicou em conjunto com Thomas Vaughan. Essa coletânea inclui obras de George Ripley, Thomas Norton e vários outros. Foi discípulo de um renomado alquimista rosacruz chamado William Backhouse (1593-1662), que considerava como um pai espiritual. Backhouse deu-lhe instruções diretas sobre a Pedra Filosofal. Formou outra coleção de textos de autores como Demócrito de Abdera, Basílio Valentim, Michael Maier, Heinrich Khunrath. Muitos deles foram encontrados nas bibliotecas de William Backhouse ou foram doados. Com isso foi criado o Ashmolean Museum. Interessava-se pelo pensamento de Jacob Boehme e também pela cabala. Seu lema era Ex Uno Omnia, ou seja, A Partir do Uno, o Todo. Escreveu sobre a história da Ordem da Jarreteira, ordem que retomava os ideais da tradição do Graal. Foi maçom na loja de Warrington, Lancashire. Junto com Robert Moray foi o primeiro maçom chamado especulativo. Reuniu material para escrever sobre a história da Maçonaria. Escreveu uma autobiografia em forma de diário. Escreveu Fascículos Alquímicos, que publicou com o pseudônimo de James Hasolle, um anagrama de seu nome. Escreveu também o prefácio para O Caminho para a Bem-Aventurança, obra alquímica de autor anônimo que ele recebeu de William Backhouse, em 1658. Foi membro da Sociedade Real de Ciências da Inglaterra (Royal Society). Trabalhou com William Lilly, de quem dizia que possuía conhecimento da sabedoria do Oriente. Mantinha correspondência com Samuel Hartlib, que buscava promover a reforma científica proposta pelos rosacruzes. Muitos estudiosos acreditam que foi a ideia da Casa de Salomão presente em Nova Atlântida, de Francis Bacon, a inspiração para a criação do Ashmolean Museum. William Backhouse publicou muitos livros, entre eles, A Profecia do Rei Branco; Astrologia Cristã; Tratado dos Três Sóis; Merlinus Anglicus, e traduziu obra de Tritêmio. Backhouse escreveu uma autobiografia, que Ashmole publicou posteriormente junto à sua própria biografia.

Johann Friedrich Schweitzer — Helvetius (1625-1709)

Médico holandês nascido em Köthen, na Anhalt holandesa, era respeitado por seu conhecimento de medicina e de botânica. Escreveu um relato alegórico sobre a pedra filosofal e a transmutação do chumbo em ouro, que lhe teria sido ensinada pelo alquimista Elias Artista, em 1666, em Haia. Arthur Waite, em The Secret Tradition in Alchemy[29], cogita a possibilidade de Elias Artista ser Irineu Filaletes. Helvetius escreveu O Bezerro de Ouro; Ichts aus Nichts; e Miraculo Transmutandi Metallica.

Robert Boyle (25/01/1627-1691)

Boyle propõe-se a levar adiante o projeto dos rosacruzes. Fez parte do chamado Colégio Invisível, grupo reservado que foi o germe da Sociedade Real de Ciências da Inglaterra (Royal Society), junto com Christopher Wren (1632-1723) e John Wilkins, autor de Matemática Mágica, onde menciona os Rosacruzes e homenageia Robert Fludd. Nascido na Irlanda, residiu em Oxford encorajado por John Wilkins, ao tempo em que Thomas Vaughan e Samuel Hartlib também estavam lá. Junto com Robert Hooke e Robert Moray, levou adiante as diretrizes de Francis Bacon, seguindo o modelo da Casa de Salomão apresentado em Nova Atlântida. Seus estudos científicos e religiosos estavam associados. Escreveu O Amor Seráfico, Ensaios Filosóficos, O Estilo das Escrituras, Filosofia Transcendental, A Origem das Virtudes, As Virtudes de um Cristão, o Químico Cético. Pesquisou sobre alquimia e teve contato com Elias Ashmole. Mantinha correspondência com Leibniz.

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)

Filósofo e matemático alemão, interessava-se por alquimia e rosacrucianismo. Manteve correspondência com Robert Boyle e com o  grupo inicial da Sociedade Real de Ciências da Inglaterra. Além disso, manteve contato com John Locke, também do núcleo rosacruz em Londres. Em suas obras filosóficas cita John Wilkins, Comênio e Tritêmio. Defendia a ideia de ordem ensinada por Pitágoras e afirmava que seu pensamento aproximava-se do da platônica Anne Conway (1631- ) e de Francis Mercurius van Helmont (1614-1698), filho do alquimista e cabalista Jean Baptiste von Helmont. Leibniz foi introduzido no conhecimento da cabala de Isaac Luria (1534-1572) por Mercurius, que a aprendeu com um importante cabalista cristão chamado Christian Knorr von Rosenroth (1636-1689), editor de Kabbala Denudata.

A ALQUIMIA E A MAÇONARIA

Em Templo e Contemplação, Henry Corbin enumera várias versões que apontam que a Ordem do Templo teria sido introduzida na Escócia no século XII e revivida pelo rei Robert Bruce ao acolher templários que lá buscaram refúgio após o assassinato de Jacques de Molay. Essa ordem foi reforçada por Francis Bacon e seu grupo, no séc. XVI. As primeiras lojas francesas parecem ter sido formadas na década de 1720. As referências mais antigas à Maçonaria especulativa são da admissão de Robert Moray em uma loja em Edimburgo, em 20 de maio de 1641, e de Elias Ashmole em uma loja em Warrington, Lancashire, em 12 de outubro de 1646. Fora da Inglaterra, a França foi o primeiro país onde a Maçonaria se desenvolveu.

Conde de St. Germain ou Príncipe Rakoczy (28/05/1696-[1784]- )

Segundo Blavatsky, “o Conde de St. Germain foi certamente o maior Adepto oriental que a Europa viu nestes últimos séculos”. Filho do príncipe Rakoczy II, Leopold George nasceu na Transilvânia, na Romênia, e foi criado pelo último dos Médicis, Gaston Médici.  Esteve no Egito, Tibet, Índia e China. De 1737 a 1742, permaneceu na corte do xá da Pérsia, onde, segundo suas próprias afirmações, principiou a entender os segredos da natureza. Na segunda vez em que esteve na Índia aprendeu a alquimia. Em Londres encontrou-se com Swedenborg. Na Holanda, encontrou-se com rosacruzes. Atuou também em Paris, S. Petesburgo, Berlim, Itália e Holanda, entre outros lugares. Junto com Friedrich Anton Mesmer, fazia parte do grupo dos Filaletes, ou Buscadores da Verdade, fundado em 1773, que tinha como base a verdadeira tradição rosacruz. Essa ordem divulgou as ideias de Swedenborg e de Louis-Claude de St. Martin. St. Germain auxiliou a Estrita Observância Templária (EOT) a se consolidar, participando da elaboração de seu sistema. Fundou a Ordem de São Joaquim, na Boêmia. Esteve ligado aos Irmãos Asiáticos, Fratres Lucis, ou Cavaleiros de São João Evangelista do Oriente; aos Cavaleiros da Verdadeira Luz, na Áustria e na Hungria; aos martinistas em Paris; aos Irmãos Africanos; aos Cônegos do Sagrado Sepulcro; aos Cônegos do Sagrado Templo de Jerusalém; ao Templo de Nicósia, no Chipre. Os Irmãos Africanos ocupavam-se em profundidade com pesquisas sobre alquimia e tinham seu laboratório em Landstrasse, em Viena. Em Paris, St. Germain mantinha um grupo que estudava alquimia nos aposentos do Castelo de Chambord, do rei Luís XV. Percorria os vários grupos concedendo instrução. Em 1779 estabeleceu um laboratório alquímico no castelo de Karl de Hesse-Cassel, que foi grão-mestre da EOT e dos Irmãos Asiáticos e participou do grupo dos Cavaleiros Beneficentes da Cidade Santa, de Jean-Baptiste Willermoz. A St. Germain é atribuído o manuscrito A Santíssima Trinosofia. St. Germain foi mestre de Alessando Cagliostro, a quem iniciou em um rito dos Cavaleiros Templários. Utilizou os pseudônimos de Marquês de Montferrat, cavaleiro Schoening, conde Soltikoff, conde Tzarogy, marquês de Bellamarre ou Aymar, Weldon. Tocava vários instrumentos e era um virtuose no violino.

Emanuel Swedenborg (29/01/1688-1772)

Nasceu em Estocolmo, na Suécia, e morreu em Londres, na Inglaterra. Escreveu primeiramente sobre ciência: mineralogia, anatomia, matemática, astronomia, química. Foi o primeiro a falar das glândulas endócrinas, esboçou o protótipo de um avião e de um submarino, foi pioneiro na explicação da teoria nebular, na ciência da cristalografia e na ciência do magnetismo. Fundou o jornal Daedalus Hyperboreus, que teria dado origem à Sociedade Real de Ciências de Uppsala. Teve contato com o Conde de St. Germain e com os Iluminados de Avignon. Foi membro da Estrita Observância Templária. A partir dos seus 56 anos começa a escrever suas obras pós-científicas. Escreve um diário onde relata suas experiências e intuições. Foi mestre de Martinez de Pasqually, que, por sua vez, foi mestre de Louis-Claude de St. Martin. Karl XII, Duque da Sudermânia, teve uma relação estreita com Swedenborg e introduziu na Maçonaria sueca suas ideias. Há um grau dedicado às suas ideias. Swedenborg escreveu extensa obra, inclusive Arcana Coelestia, O Reino da Alma.

Martinez de Pasqually (1710?-1774)

Acredita-se que tenha nascido em Grenoble, na França. Seu pai, nascido em Alicante, na Espanha, o teria introduzido em uma loja maçônica. Estabeleceu-se em Bordeaux em 1762, quando fundou a Ordem dos Cavaleiros Maçons dos Sacerdotes Eleitos (Elus Cohen), da qual foi Grão-Mestre. Essa ordem tinha ligação com a ordem dos Fratres Lucis (Irmãos da Luz), na qual St. Germain atuava. Pasqually era conhecido como um iniciado rosacruz e cabalista. Teve contato com Swedenborg em Londres e divulgou suas ideias na França. Estabeleceu um rito que seguia as tradições cabalista e gnóstica. Fundou várias lojas maçônicas na França. Estabeleceu-se em Bordeaux em 1762.  Em Lyon havia um ramo importante, onde atuava Jean-Baptiste Willermoz, um de seus discípulos mais atuantes. Em 1772 foi para São Domingos, onde fundou diversos templos, continuando a enviar para a França suas instruções, rituais e os principais capítulos de seu Tratado da Reintegração dos Seres Criados. Morreu em Port-au-Prince, no Haiti, em 1774. Outro discípulo muito importante foi Louis-Claude de St. Martin.

Dom Pernety (13/02/1716-1801)

Antoine Joseph Pernety nasceu em Roanne, na França. Estudou hermetismo, cabala e alquimia. Foi membro da Academia de Ciências de Paris. Foi abade beneditino, mas abandonou a vida monástica. Em Avignon, filiou-se a lojas maçônicas e criou o Rito dos Iluminados, também chamado de Rito Hermético. Criou a sociedade filosófica hermética chamada Ordem dos Iluminados de Avignon, que tinha elos com o sistema sueco e era muito ligada aos seguidores de Martinez de Pasqually. Depois foi transferida para Montpellier, sob o título de Academia dos Verdadeiros Maçons. Uma de suas divisões era a dos Cavaleiros do Tosão de Ouro. Sendo alvo de perseguições dos tribunais eclesiásticos, Pernety refugiou-se na Prússia, onde o rei Frederico II o nomeou conservador da Biblioteca de Berlim.  Em Berlim, encontrou-se com St. Germain e teve contato com a obra de Swedenborg. Traduziu Revelações, de Swedenborg, para o francês. Também foi influenciado por Jacob Boehme. Tinha contato com a Estrita Observância Templária. Posteriormente retornou à França. Escreveu Dicionário Mito-Hermético, O Cavaleiro do Sol, Fábulas Egípcias e Gregas Desvendadas, que começa com um longo tratado sobre alquimia, incluindo várias citações de obras raras. Foi muito importante para a maçonaria hermética na França.

Jean Baptiste de Willermoz (10/07/1730-29/05/1824)

Contribuiu para a criação da Grande Loja dos Mestres, em Lyon, e tornou-se seu grão-mestre. Fundou também uma loja chamada Soberano Capítulo da Águia Negra Rosacruz, dedicada à pesquisa alquímica e ligada aos Iluminados de Avignon. Em 1770, teve contato com o Barão von Hund e ingressou na Estrita Observância Templária, tornando-se um representante da ordem na região de Lyon. Ingressou na Ordem dos Sacerdotes Eleitos (Elus Cohens), dirigida por Martinez de Pasqually, a quem sucedeu em 1774. Constituiu a ordem dos Cavaleiros Beneficentes da Cidade Santa (CBCS). Manteve correspondência com St. Germain, Cagliostro, Dom Pernety, Brunswick. Sobre Willermoz disse Henry Corbin: “J.B.Willermoz professou uma espiritualidade profunda que era centrada na Imago Templi. Nesse sentido suas ‘instruções’ são dignas de um longo estudo, como um livro da espiritualidade do Templo”[30].

Louis-Claude de Saint Martin (18/01/1743-23/10/1803)

Foi conhecido como o Filósofo Desconhecido e como o Teósofo de Amboise, onde nasceu. Em 1763, conheceu Willermoz, em Lyon. Em Bordeaux encontrou Martinez de Pasqually e ingressou no grupo dos Elus Cohens (Sacerdotes Eleitos). Esse grupo era associado aos Fratres Lucis (Irmãos da Luz), ordem em que St. Germain atuou. St. Martin tornou-se secretário particular de Pasqually e assumiu o grupo quando seu mestre deixou Bordeaux, em 1773. Posteriormente, foi para Lyon, onde estabeleceu um rito que ficou conhecido como Rito Retificado de St. Martin. Permaneceu um tempo na Inglaterra, onde se associou a uma colônia de russos que eram membros da Escola do Norte, de Alessandro Cagliostro. Em Estrasburgo estudou os escritos de Swedenborg. Escreveu O Novo Homem em colaboração com o sobrinho de Swedenborg, que lhe tornou acessíveis alguns textos. Ainda em Estrasburgo entrou em contato com Rodolphe Salzmann, que traduzia e comentava as obras de Jacob Boehme. St. Martin estudou, traduziu e publicou livros de Jacob Boehme. Fez uma síntese dos ensinamentos de Pasqually e Boehme. Associou-se à Ordem dos Filósofos Desconhecidos. Príncipe Galitzin, um de seus discípulos, divulgou seus ensinamentos entre os membros da Ordem Russa da Estrita Observância Templária.  Escreveu Sobre os Erros e a Verdade, que buscava combater o materialismo da época. Procurava atuar como um antídoto para a Revolução Francesa. Escreveu também Ecce Homo e várias outras obras. A partir dos princípios do martinismo foi fundada em Paris a Loja dos Filaletes, em 1773. Ela foi um ramo da Loja dos Amigos Reunidos. Posteriormente, Helena Blavatsky usou a informação publicada em seu livro sobre números para desenhar o selo da Sociedade Teosófica.

Barão von Hund (1722-1776) e a Estrita Observância Templaria (EOT)

Karl von Gotthelf, Barão de Hund e Altten-Grottkare, ingressou na Maçonaria em 1742, aos 20 anos. No ano seguinte foi a Paris, onde conheceu o Lorde Kilmarnock, Grão-Mestre da Ordem do Templo, da Escócia. Na Alemanha fundou a Estrita Observância Templária (EOT), ordem pela qual procurou reestruturar a Ordem dos Cavaleiros Templários. Foi elevado à posição de Grão-Mestre dos Templários por M. Marschall, que afirmava ser o sucessor dos templários por uma sucessão ininterrupta, desde os tempos de Jacques de Molay[31]. Possuía o Livro Vermelho, que continha documentos secretos dos templários. Publicamente dedicavam-se à tradição dos templários e, reservadamente, à tradição do Graal, ao hermetismo, à cabala, à alquimia e ao rosacrucianismo. Buscava retomar o espírito original da Maçonaria do séc. XVI na Alemanha. Redigiu rituais e instruções. O grau mais elevado da EOT era vinculado ao grupo dos Cônegos Templários, fundado por Johann Starck. Seus sucessores foram Ferdinand de Brunswick, discípulo de St. Germain, e Duque da Sudermânia, na Suécia. A EOT foi fundada na Alemanha e expandiu-se para a Suécia, Áustria, França, Dinamarca, Noruega, Hungria e Rússia.

Johann Auguste von Starck (1741-1816)

Professor de línguas orientais e filosofia, trabalhou na Biblioteca Real de Paris como intérprete de textos orientais. Interessou-se pela obra de Porfírio e Jâmblico. Tornou-se maçom aos 21 anos. Posteriormente, fundou a ordem dos Cônegos Templários. Afirmava que não eram os cavaleiros, mas, sim, os clérigos da ordem templária os verdadeiros guardiães dos segredos da ordem, incluindo a arte da transmutação[32]. Em 1767, junto com o Barão de Vegesack e von Bohmen, reformou a Loja dos Três Leões, em Wismar. Nessa loja havia o Rito do Martelo Dourado. Dessa loja fez parte Joseph Wilhelm Schröder (1733-1778), médico respeitado com fortes conhecimentos místicos e alquímicos. Starck criou também a Lax Observancia Templaria. Tinha elos com St. Germain e com o Duque da Sudermânia. Era ligado à tradição do Graal. Em S. Petesburgo organizou um núcleo templário. Nessa cidade foi iniciado um rito chamado Rito Melesino. Starck atuou também Mitau, hoje Jelgava, na atual Letônia. Publicou livros sobre a Maçonaria.

Friedrich Anton Mesmer (23/05/1734- 15/03/1815)

Médico austríaco, estabeleceu-se no bairro de Landstrasse, em Viena, onde os Irmãos Asiáticos, que se ocupavam de alquimia, tinham um laboratório. Estudou Paracelso, por quem foi muito influenciado, alquimia, magia, astrologia e hermetismo. Foi discípulo de St. Germain e participou do grupo dos Fratres Lucis, dos Filaletes e da Estrita Observância Templária. Teve contato com Martinez de Pasqually e St. Martin. Escreveu Sobre o Influxo Planetário, no qual falava da influência dos corpos celestes na saúde das pessoas. Estudou as forças magnéticas como forma de cura. Realizava curas por meio de um princípio que ele chamava de magnetismo animal, que fluía por tudo. Defendia que as doenças eram causadas pela obstrução desse fluxo. Atuou em Viena, em Paris e na Suíça. Fundou a Ordem da Harmonia Universal, em 1783, publicamente para instrução no magnetismo animal, mas reservadamente para ensinar as práticas dos centros de cura gregos dedicados a Asclépio e dos Templos de Cura antigos. Traduziu obras de Swedenborg. No séc. XIX suas ideias foram retomadas por Jean-Martin Charcot, um dos mestres de Freud.

Alessandro Cagliostro (1743-[1795]- )

Há controvérsias sobre o local de seu nascimento: Palermo, Sicília, Ilha de Malta ou Medina. Passou a infância em Medina, na Arábia, onde conheceu seu tutor Althotas, “um grande sábio oriental hermético”[33], estudioso de alquimia e possuidor de uma coleção de manuscritos árabes que lhe ensinou várias ciências e línguas orientais. Foram para Alexandria, no Egito, Turquia, Ilha de Malta e Rodes. Foram recebidos por Mestre Pinto, Grão-Mestre dos Cavaleiros de Malta, a quem serviu como assistente e amigo confidente[34]. Em Rodes iniciou-se nos segredos da alquimia e outras ciências herméticas. Declarou que recebeu a grande gnosis durante sua permanência no Egito.  A partir de 1771, atuou em Londres, onde fabricava remédios e realizava curas além do alcance da medicina de sua época. Em 1777 tornou-se maçom na Loja Esperança, filiada à Estrita Observância Templária. Na Alemanha, foi iniciado por Schröder, rosacruz alquímico ligado a Starck, na Rosa Cruz de Ouro e no grupo dos Irmãos Africanos, no qual atuava St. Germain. Foi iniciado na cabala por St. Germain. Esteve em S. Petesburgo, em contato com a EOT. Lá ensinou o Rito Egípcio, criado a partir de sua formação no Egito. Em 1780 foi à Polônia, onde teve contato com o Príncipe Poninsky, com quem fundou uma loja do Rito Egípcio. Lá estudou alquimia. Foi para Estrasburgo, Nápoles e Bordeaux, onde estava o grupo de Martinez de Pasqually. A partir de Bordeaux passa a desenvolver a Maçonaria Egípcia[35]. Em Lyon, na França, atuou na Loja da Sabedoria Triunfante e também criou a Loja Mãe do Rito Egípcio, recebendo o título de Grande Copta. Depois foi para Paris, onde foi iniciado em um rito dos Filaletes, loja ligada à EOT onde St. Germain dava instruções. Ainda em Paris estabeleceu o Templo de Ísis. Muito dinâmico, era mais prático do que teórico, visitando as diversas lojas maçônicas de numerosas cidades da Europa, buscando “infundir o espírito cristão, o espírito de sabedoria e de verdade” na Maçonaria[36]. Com espírito igualitário, aceitava o ingresso de ambos os sexos nas lojas que fundava. Atuava com St. Germain, Mesmer e Martinez de Pasqually, ainda que não aparecessem juntos em público. Divulgava os ensinamentos orientais dos princípios que constituem o homem e da presença do Atma[37] em todos os seres[38].“Nada é isolado na natureza, todo ser tem laços que o unem ao centro”, dizia Cagliostro.“Nosso conhecimento do mundo é ilusório, um conhecimento relativamente falso, porque é adquirido através de nossos sentidos, e estes só nos oferecem visões convencionais, incompletas, superficiais. Nossas percepções são limitadas ao que podemos ver, ouvir, tocar e cheirar e não nos levam ao conhecimento de fenômenos subjetivos”. Defendia que, para se adquirir sabedoria, é preciso ter um coração reto, justo, amável e renunciar a toda causa de vaidade e curiosidade, dominar o vício, a depravação e o ceticismo. Ao longo de sua vida utilizou os nomes de Fischio, Marquês de Melissa, Barão de Belmonte, Pellegrini, Conde Fênix. Muitas das ações e curas realizadas por Cagliostro foram registradas no que foi chamado Evangelho de Cagliostro, escrito por um morador da cidade de Rovoredo durante o período em que lá permaneceu. Goethe procurou coletar dados sobre ele e escreveu a peça chamada O Grande Copta. Blavatsky o considerava o último dos rosacruzes e possuía um colar rosacruz que pertenceu a ele. Ela escreveu o artigo “Foi Cagliostro um Charlatão?”, para reparar o nome desse personagem que foi injustamente caluniado.

Karl von Eckartshausen (28/06/1752-1803)

Nasceu em Heimhausen, uma cidade perto de Munique, na Alemanha. Fez parte da Maçonaria, da Rosacruz de Ouro e de outras sociedades herméticas que lidavam com a alquimia. Foi membro da Sociedade Bavária de Ciências. Estudioso de Jacob Boehme, é considerado um mestre rosacruz. Escreveu sobre cabala, pitagorismo, alquimia. Escreveu numerosas obras, entre elas Nuvem ante o Santuário; Tratado Prático de Alquimia Rosacruz; Algumas Palavras do Mais Profundo Ser; Da Perfectibilidade do Gênero Humano; Música dos Olhos, ou a Harmonia das Cores. Antoine Faivre, diretor de estudos na Escola Prática de Altos Estudos, Sorbonne, publicou um volumoso estudo sobre ele, intitulado Eckartshausen e a Teologia Cristã.[39]

Sigismund Bacstrom (1750-1805)

Grande conhecedor da alquimia, foi iniciado numa ordem chamada Societas Roseae Crucis por Conde Luís de Chazal, nas Ilhas Maurício, próximas a Madagáscar, em 1794. Segundo o editor da Antologia Alquímica de Bacstrom, J. W. Hamilton Jones, Chazal pode ter sido um discípulo de St. Germain na França. Posteriormente Bacstrom estabeleceu-se em Londres, onde fundou um pequeno grupo rosacruz no qual circulavam suas traduções de textos alquímicos do latim, alemão e francês para o inglês. Esses textos Bacstrom provavelmente obteve do Conde de Chazal, que, por sua vez, teria obtido de seu mestre[40].  Nessa época havia pouco material disponível, e ele procurou gerar interesse na sabedoria antiga da tradição, o que repercutiu posteriormente em Frederick Hockley e em Thomas South e sua filha Mary-Anne Atwood. Hockley possuía alguns de seus manuscritos e material pessoal, como o diário e o compromisso de ingresso na sociedade rosacruz de Chazal. Posteriormente Helena Blavatsky teve acesso a seu material e publicou sua tradução de Catena Aurea Homeri (A Corrente Dourada de Homero) em seu jornal teosófico em 1891. Acredita-se que tenha nascido na Alemanha.

Frederick Hockley (1809-1885)

Estudioso de rosacrucianismo e alquimia, Hockley possuía os manuscritos, o diário e o certificado de ingresso de Sigismund Bacstrom na ordem rosicruciana em que foi iniciado nas Ilhas Maurício. Reuniu uma extensa biblioteca de literatura rosacruz e traduziu muitos textos. Participou ativamente de muitos grupos maçônicos, criou o Círculo de Croydon e foi membro, com Francis Irwin, Kenneth Mackenzie e Benjamin Cox, dos Fratres Lucis, também conhecidos como a Fraternidade da Cruz de Luz Com Kenneth Mackenzie, que o considerava como um mentor, auxiliou Robert W. Little a formar a Societas Rosacruciana in Anglia (SRIA). Procurou pautar sua vida pelos ideais do rosacrucianismo do século XVII. Segundo W. W. Westcott, Hockley foi uma influência muito importante para a Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn). Hockley mantinha correspondência com William Alexander Ayton, outro importante alquimista do séc. XIX e início do séc. XX. Após sua morte, sua biblioteca e seu material reservado passaram para as mãos de Francis George Irwin, que o considerava um autêntico rosacruz.

Edward George Bulwer-Lytton (25/5/1803-18/01/1873)

Diplomata e escritor, foi admitido em uma loja rosacruz em Frankfurt em 1850. Em Zanoni diz sobre a ordem dos rosacruzes: “(…) essa sociedade mística, a Rosa-Cruz (…), que se considerava como a herdeira de todo o ensino dos caldeus, dos magos, dos gimnosofistas e dos pitagóricos (…), diferia de todas as outras pela pureza da sua doutrina e pela posse da dupla base indispensável à edificação de toda a sabedoria: o domínio dos sentidos e a fé”. Fez intenso estudo de Jâmblico e de Cornelius Agrippa. Escreveu Zanoni, Vrill, A Raça Futura, Os Últimos Dias de Pompeia, um grande poema intitulado Rei Arthur. Afirmava que Zanoni foi escrito a partir de arquivos secretos e preciosos de uma irmandade sagrada, mas pouco conhecida, e que A Raça Futura foi escrita a partir das orientações de um Mestre. A Societas Rosicruciana in Anglia (SRIA) o nomeou Imperator, como homenagem, visto que Lytton não fazia parte do grupo, mas ele recusou o título. Bulwer-Lytton manteve contato com Eliphas Lévi (1810-1875), pseudônimo de Alphonse Louis Constance, que foi um estudioso da Cabala e da obra de St. Martin e Swedenborg.  

Societas Rosicruciana in Anglia (SRIA)

Fundada por Robert Little (1840-1878) em 1865, seus principais membros foram Francis Frederick Hockley (1809-1885), George Irwin (1823-1898), Dr. William R. Woodman (1928-1891), Kenneth R.H. Mackenzie (1833-1886), Benjamin Cox (1828-1895), John Yarker (1833-1913), William Wynn Westcott (1848-1925), Arthur Waite (1857-1942). Todos os integrantes eram maçons e dedicavam-se principalmente aos estudos do rosacrucianismo, da alquimia, do hermetismo e da Cabala.

Kenneth MacKenzie

Mackenzie participou de um grupo rosacruz na Alemanha, e a ele foi permitido fundar um grupo rosacruz na Inglaterra. Sabia latim, grego e hebraico. Fundou a Sociedade dos Oito, para estudos alquímicos, da qual Francis Irwin também fez parte. Em uma carta teria dito: “Eu possuo os graus reais [do rosacrucianismo], mas não devo concedê-los a ninguém no mundo sem uma longa e severa provação que poucos consentem em se submeter”. Escreveu Enciclopédia Maçônica Real de História, Ritos, Simbolismo e Biografias.  MacKenzie permaneceu na SRIA de 1872 a 1875, retirando-se por desentendimentos com Robert Little. MacKenzie e John Yarker instituíram a Ordem de ‘Sat B’hai, da qual W. A. Ayton também fez parte.

William Wynn Westcott (1848-1925)

Westcott tornou-se o diretor da Societas Rosicruciana in Anglia, sucedendo a W. R. Woodman. Interessava-se por alquimia, cabala, hermetismo e rosacrucianismo. De 1870 a 1880, participou também da Ordem da Luz. Participava de uma loja maçônica que realizava o Rito de Swedenborg. Além disso, fazia palestras na Sociedade Hermética, criada pela escritora Anna Kingsford. Westcott foi Vice-Presidente da Loja Blavatsky, participou também da Seção Esotérica e do Grupo Interno de Helena Blavatsky, a convite de George Mead. Traduziu o Sepher Yetzrah e editou uma tradução do Poemandres. Escreveu sobre a criptografia de Agrippa e sobre a relação entre a maçonaria e os essênios com o culto de Mitra. Escreveu também sobre Robert Fludd. Foi um dos fundadores da Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn).

Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn)

Alguns membros Societas Rosicruciana in Anglia, como William Robert Woodman e William Wynn-Westcott, fundaram a Golden Dawn, em 1888, como uma alternativa à Sociedade Teosófica, de Helena Blavatsky. A Golden Dawn propunha-se a ser uma escola da tradição hermético-cabalista ocidental sem elementos hindus ou budistas e um núcleo rosacruz na Inglaterra, no entanto, desviou-se de seu propósito inicial. Dela fizeram parte, dentre muitos outros personagens, o alquimista William Alexander Ayton, o poeta William Butler Yeats (1865-1939), que a dirigiu por um período, e Arthur Waite (1857-1942), que também fez parte da Societas Rosicruciana in Anglia. Waite ingressou na ordem em 1891, desligou-se por algum tempo e voltou em 1896. Em 1901, tornou-se líder de um dos núcleos da ordem, o templo de Ísis-Urânia, e revisou completamente os ritos. Em 1903, foi um dos Chefes da tríade do Ritual da Aurora Dourada Independente e Retificado, junto com William Alexander Ayton e Marcus Blackden. Em 1914 fechou o templo que dirigia e estabeleceu a Sociedade dos Amigos da Rosacruz, com ênfase em aspectos cristãos. Ele organizou também uma ordem rosacruz interna, chamada Ordo Sanctissimus Rosae et Aureae Crucis. Waite escreveu diversas obras, entre elas, A Verdadeira História dos Rosacruzes; Alquimistas através das Eras; A Tradição Secreta na Alquimia.

William Alexander Ayton (28/04/1816-01/01/1909)

Pastor da igreja anglicana, Ayton possuía um grande conhecimento da literatura alquímica, que podia ler no original em latim. Mantinha correspondência com Frederick Hockley. Também era ligado a Francis Irwin e teve acesso ao material que havia pertencido a Hockley, como o diário e manuscritos de Bacstrom e outras obras sobre alquimia, cabala e rosacrucianismo. Em correspondência a Frederick Leighton Gardner, teosofista e também participante da Golden Dawn, disse: “Eu sigo a regra de salvaguardar os valiosos manuscritos dos profanos”. Afirmou também que era diretor de uma ordem chamada Ordem da Luz e que esta era a mesma que a ordem rosacruz chamada Fratres Lucis. Dizia que a alquimia era uma parte legítima do rosacrucianismo e afirmava possuir um laboratório alquímico. Em suas correspondências cita diversos alquimistas importantes, dentre eles, Jacob Boehme, Dom Pernety, Thomas Norton, Raimundo Lúlio. Ayton fez parte da Seção Esotérica, de Blavatsky, com quem manteve correspondência, inclusive enviando-lhe cópias de Tritêmio. Ingressou na Golden Dawn em 1888, 4 meses após Westcott tê-la fundado e, em 1903, assumiu, junto com Arthur Waite e Marcus Blackden, a direção do Ritual da Aurora Dourada Independente e Retificado até sua morte, em 1908.  Sobre ele e a Golden Dawn foi dito a W.B. Yeats: “Ele nos une aos grandes adeptos do passado”.

Mary-Anne Atwood (1817-1910)  

Cresceu na biblioteca de seu pai, Thomas South, especializada em obras clássicas, filosóficas e metafísicas. Ela e seu pai realizavam experiências com hipnose e outros fenômenos psicofísicos. Escreveu Uma Sugestiva Investigação da Filosofia Hermética, que publicou em 1850, em resposta a um desafio lançado por seu pai. Nesse livro enfatizava o aspecto espiritual da alquimia. No entanto, seu pai considerou que a obra continha segredos herméticos que não deviam ser publicados e ordenou que as cem cópias já distribuídas fossem recolhidas e queimadas. Posteriormente, sua amiga teosofista Isabelle de Steiger (1836-1927) reeditou o livro em 1918. Carl Jung, que conhecia a visão de Atwood sobre a Arte Hermética, retoma o aspecto espiritual da alquimia, no séc. XX. Mary-Anne possuía uma edição francesa de Nuvem ante o Santuário, de Karl Eckartshausen, e a concedeu a Isabelle de Steiger, que a traduziu para o inglês.

Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891)

Seu bisavô, o Príncipe Dolgorouki, havia sido membro da Estrita Observância Templária, organização maçônica rosacruz alemã. Segundo ela, “…meu bisavô por parte de mãe, Príncipe Pavel Vasilyevitch Dolgorouki, tinha uma estranha biblioteca contendo centenas de livros (…). Eu os li com o mais ávido interesse antes dos 15 anos (…) e logo nem Paracelsus, Kunrath nem C. Agrippa teriam algo a me ensinar”. Escreveu que a “pedra filosofal simboliza a transmutação da natureza animal interior do homem na natureza mais elevada e divina”. Nos Estados Unidos, foi orientada a criar com seu grupo uma sociedade reservada, aos moldes de uma loja rosacruz. Dentre os fundadores da Sociedade Teosófica, podemos citar alguns maçons, como Charles Sotheran, que pertencia também à Societas Rosicruciana in Anglia. A ideia era a de formar uma loja maçônica com o intuito de trazer ensinamentos orientais, assim como Cagliostro havia feito no século XVIII. Sobre Cagliostro, Blavatsky escreveu o artigo “Cagliostro era um Charlatão?”, procurando desfazer as calúnias que foram difundidas sobre ele. Chegou às mãos de Blavatsky um colar rosacruz que pertencia a ele. John Yarker, membro da Societas Rosicruciana in Anglia, concedeu-lhe o título de Princesa Coroada dos Ritos Maçônicos de Memphis e Mizraim. Em 1888, Blavatsky criou na Inglaterra a Escola Esotérica e o Círculo Interno, do qual fizeram parte William Wynn Westcott, membro da Societas Rosacruciana in Anglia (SRIA) e um dos fundadores da Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn), e Isabel Cooper-Oakley, autora do livro O Conde de Saint-Germain e Ritual e Misticismo na Maçonaria. George Mead, secretário particular de Blavatsky e um dos organizadores do Círculo Interno, fez extenso estudo sobre o Hermetismo e traduziu o Corpus Hermeticum, apresentado em sua obra Thrice Greatest Hermes, em três volumes. Mead escreveu também a obra A Doutrina do Corpo Sutil na Tradição Ocidental, em que fala de uma alquimia psíquica, que é como uma “escada que conduz finalmente à perfeição do homem na realidade espiritual”[41] e afirma que as “especulações psicofisiológicas” que Simão, o Mago apresentou em A Grande Anunciação estavam inteiramente de acordo com essa alquimia[42]. Da Sociedade Teosófica fizeram parte também Isabelle de Steiger, que traduziu e publicou Nuvem ante o Santuário, de Karl de Eckartshausen; Anna Kingsford (1846-1888), importante estudiosa do hermetismo, presidente da Loja de Londres da Sociedade Teosófica e fundadora da Sociedade Hermética; e Geoffrey Hodson (1886-1983), que atuou na Nova Zelândia. Em Luz do Santuário, Hodson apresenta importantes informações sobre Francis Bacon e seus escritos e sobre o Príncipe Rakoczy.

A ALQUIMIA NO SÉCULO XX

Carl Gustav Jung (1875-1961)

A alquimia deixou de ficar restrita aos grupos reservados da maçonaria e do rosacrucianismo com a obra de Carl Jung, que a levou para os círculos de estudo de psicologia e também para o grande público. Seu primeiro contato deu-se com a alquimia chinesa, quando foi convidado a escrever a introdução da tradução para o alemão do livro O Segredo da Flor de Ouro. Esse livro remonta à tradição taoísta do Elixir de Ouro da Vida (Kin tan Chiao), de Liu Yen, do séc. VIII. Dando sequência à linha de Mary-Anne Atwood, Jung abordou o aspecto psíquico, e não químico, da alquimia. Em Psicologia e Alquimia encontram-se várias palestras que realizou sobre o tema. Em Ab-Reação, Análise dos Sonhos e Transferência, interpretou o livro anônimo Rosarium Philosophorum. Em Estudos Alquímicos tratou das visões de Zózimo e outros temas. Em Mysterium Coniunctionis Jung utilizou as obras de muitos alquimistas, como Paracelso, George Ripley, Geber, Gehrard Dorn, Raimundo Lúlio, Arnaldo de Vilanova, para ilustrar suas ideias. Após sua morte, Marie-Louise von Franz, sua auxiliar nos estudos da alquimia, continuou ministrando cursos e sobre esse assunto publicou o livro Alquimia.

Para saber mais, veja Jung, a Tradição da Alquimia e a Tradição do Graal

Henry Corbin (1903-1978)  

Corbin trouxe novamente para o Ocidente a alquimia árabe, apresentando seus personagens, suas ideias e traduzindo algumas de suas obras. De fato, ele foi instruído durante 20 anos pelos continuadores da Escola Shaykhie, fundada por Ahmad Asa’i (1753-1826), que conferiu importantes ensinamentos sobre a alquimia. Alguns desses ensinamentos foram apresentados em Corps Spirituel et Terre Céleste. Em Alchimie comme Art Hiératique, Corbin apresenta um texto de Ali Abu Talib, o I Imã shiita, que trata da alquimia como irmã da profecia, e trechos de O Livro das Sete Estátuas, de Apolônio de Tyana, importante personagem da alquimia grega e pilar da alquimia árabe, além dos comentários de Aydamor Jaldaki, alquimista do séc. XIV, a essa obra. De Jaldaki, Corbin traduziu também o Livro da Demonstração Relativa aos Segredos da Ciência da Balança. Além disso, Corbin traduziu O Livro do Glorioso, de Jabir ibn Hayyan, mais conhecido como Geber.

 

 

 

[1] Hitchcock. Remarks on Alchemy and the Alchemists1865.

https://archive.org/stream/remarksuponalche00hitc#page/226

[3] Martin Plessner. Hermes Trismegistus and Arab Science.

https://www.jstor.org/stable/1595141?read-now=1&seq=1#page_scan_tab_contents

[4] Eric J. Holmyard. Alchemy.

[5] C.G.Jung. Psicologia e Alquimia, ed. Vozes, p. 373.

[6] Marcellin Berthelot. Les Origines de l’Alchimie.

https://archive.org/details/lesoriginesdelal00bertuoft

Diz Berthelot: “O gnosticismo desempenhou um grande papel em todo o Oriente e especialmente em Alexandria no século II de nossa era, mas sua influência geral não durou além do séc. IV. É então para esse intervalo de tempo que somos levados de modo cada vez mais insistente pelos textos alquímicos. Isso mostra que existia desde a origem uma afinidade secreta entre a Gnosis, que ensina o sentido verdadeiro das teorias filosóficas e religiosas, dissimuladas pelo véu dos símbolos e alegorias, e a Quimia, que persegue o conhecimento das propriedades ocultas da natureza e que os representa, mesmo em nossos dias, pelos signos de duplo e triplo sentidos”. (p. 66)

[7] Diz Berthelot: “Sabemos do papel importante de Maria, mãe de Jesus, nos Evangelhos Gnósticos bem como a importância alcançada por Maria Cleophas, nome idêntico ao de Cleópatra. (…) Os documentos valentinianos dizem que Maria, a mãe de Jesus, chegou à perfeição na gnosis, que compreendia ainda a magia: tocamos então aqui a alquimia”.  (p. 173)

[8]Marcellin Berthelot. Collection des Anciens Alchimistes Grecs.

https://archive.org/details/collectiondesanc23bert

[9] Ana Maria Alfonso-Goldfab. Da Alquimia à Química.

[10]Kraus, Jábir ibn Hayyán, p. 298, and Encyclopedia of Islam, new edition, vol. 1, p. 995.

Apud http://www.mountainman.com.au/ESSENES/author_Apollonius%20of%20Tyana.htm

[11] George R. S. Mead. Apolônio de Tiana — Sábio, Profeta e Renovador dos Mistérios.

[12] Essa obra foi traduzida para o francês por Henry Corbin no Alchimie comme Art Hiératique.

[13] Ana Maria Alfonso-Goldfab. Da Alquimia à Química.

[14] Henry Corbin. Alchimie comme Art Hiératique.

[15] E. J. Holmyard. Alchemy. Dover Publications, p. 79

[16] Tobias Churton. The Golden Builders.

[17] James McEvoy. The Chronology of Robert Grosseteste’s Writings on Nature and Natural Philosophy.

[18] John Edward Mercer. Alchemy, Its Science and Romance.

[19] Edmund Brehm. Roger Bacon’s Place in the History of Alchemy http://www.alchemywebsite.com/rbacon.html

[21]  Arthur Waite. Alchemists through the Ages.

[22] Frances Yates. Giordano Bruno e a Tradição Hermética.

[23] Moshe Idel. Kabbalah in Italy, 1280-1510: A Survey. Yale University Press, p. 165 e ss.

[25]W. P. Swainson. Three Famous Alchemists.

[26] A partir da tese de doutorado de Diogo de Lima e Calazans, “A Destilação da Psique no Século XX: uma Análise da Interpretação de C.G.Jung sobre as Ideias de Gerhard Dorn.  https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/20857/2/Diogo%20de%20Lima%20e%20Calazans.pdf, acessado em maio de 2019.

[27] William Huffman. Coleção Mestres do Esoterismo Ocidental – Robert Fludd.

[28]Joscelyn Godwin. Robert Fludd – Hermetic philosopher and surveyor of two worlds.

[29] Arthur Edward Waite. Secret Tradition in Alchemy. Kessinger Publishing, p. 309, nota 4.

[30] Henry Corbin. Temple and Contemplation, ed. KPI em associação com Islamic Publications, p. 355.

[31] Isabel Cooper-Oakley. Maçonaria e Misticismo Medieval. Ed. Pensamento, pág. 56.

[32] Christopher McIntosh. A Rosa e a Cruz. Ed. Nova Era.

[33] Helena Blavatsky. “Was Cagliostro a ‘Charlatan’?”, em Collected Writings, vol XII.http://www.katinkahesselink.net/blavatsky/articles/v12/y1890_002.htm, acessado em maio de 2019.

[34]Idem.

[35] Marc Haven, em Cagliostro, o Grande Mestre do Oculto, relata interessante episódio de uma visão de Cagliostro a esse respeito, pág. 120, ed. Madras.

[36]Idem, pag. 124.

[37] Em Psicologia e Transição, Jung equipara o Atman ao Si-Mesmo: “O que chamamos de ‘Si-mesmo’ não está apenas em mim, mas em todos os seres, como o Atman e como o Tao. É a totalidade psíquica”, pág. 431 § 873, ed. Vozes.

[38] Obra citada na nota 33.

[39]Eckartshausen et la théosophie chrétienne. Informação retirada de Algumas Palavras do Mais Profundo Ser, da ed. Rosacruz.

[40]Adam McLean. “Bacstrom’s Rosicrucian Society”, em Alchemy Website, acessado em maio de 2019. http://www.alchemywebsite.com/bacstrm1.html#

[41] George R. S. Mead. The Doctrine of the Subtle Body in Western Tradition – An outline of what the philosophers thought and Christians taught on the subject. ed. J. M. Watkins, p. 17. https://ia802909.us.archive.org/7/items/doctrinesubtle00meaduoft/doctrinesubtle00meaduoft.pdf acessado em julho de 2019.

[42] Idem, p. 32.

A TRADIÇÃO DO CRISTIANISMO CELTA E DO GRAAL

O cristianismo celta, ou a tradição do Graal, é a continuação dos ensinamentos de Jesus por alguns de seus discípulos e seus continuadores na Gália, na Grã-Bretanha especialmente na região do que atualmente é o País de Gales, Escócia e Nortúmbria e na Irlanda.

José de Arimateia

Depois da morte de Jesus, um grupo formado por Maria Madalena, Lázaro, Marta e a mãe dos três irmãos, Sara; Máximo; Maria, mãe de Jesus; Salomé; Maria Lídia, ou Maria de Cleopas; Marcela, uma criada de Marta, foi levado de navio por José de Arimateia para a Gália, atual França, desembarcando na região de Marselha. José de Arimateia aparece na Bíblia como aquele que recolheu o corpo de Jesus[1]. Lá foram recebidos por uma delegação druídica e foram levados para a Silúria, região do atual País de Gales.

 Tertuliano (155-222), importante personagem do cristianismo romano, atesta que as extremidades da Espanha, as várias partes da Gália, as regiões da Bretanha, que nunca foram penetradas por exércitos romanos, receberam a religião de Cristo[2]. Eusébio de Cesareia, considerado Pai da História Eclesiástica (320) afirma: Os apóstolos atravessaram o oceano, para as chamadas Ilhas Britânicas[3]. O Cardeal Baronius (1538-1609), historiador da Igreja e curador da Biblioteca do Vaticano, nos Anais Eclesiásticos, diz: José de Arimateia, Lázaro, Maria, Marta, Marcela, sua criada, e Máximo, um discípulo, foram colocados pelos judeus em um barco. Navegaram até o Mediterrâneo e desceram em Marselha. Então, José e seus companheiros atravessaram até a Bretanha e pregaram o Evangelho e finalmente morreu lá. Gildas, historiador bretão (520-560), afirma: É certo que nossa igreja britânica foi estabelecida muitos anos antes da romana. A igreja romana não é a mãe de nossa igreja britânica, mas sua irmã mais nova.

José de Arimateia e seus companheiros foram recebidos pela família real da Silúria, da qual faziam parte Llyr Llediaith e seu filho Bran, que posteriormente se tornou o arquidruida, o chefe dos chefes, dos colégios druídicos da Silúria. O druidismo era a religião antiga dos celtas. Os druidas eram homens de cultura, bem instruídos, que afirmavam a existência de duas habitações da deidade: a alma, o invisível, e o universo, o visível. Dos colégios druídicos irradiava todo o sistema da vida civil e o conhecimento espiritual. Havia vários centros druídicos, que eram chamados Caer, ou Cor. Os druidas foram massacrados para que fosse possível a conquista da Bretanha pelos romanos. Segundo César, os druidas fizeram da imortalidade da alma a base do seu ensinamento. Os druidas não foram convertidos pelos discípulos de Jesus, mas, sim, acolheram o novo ensinamento como uma renovação de sua tradição. A partir dessa união surge o cristianismo celta, a linhagem dos chamados culdeus (culdich).

 Palatium Britannicum e Paulo de Tarso

Com as invasões romanas, a família de Bran foi capturada e levada como refém para Roma. Bran, seu filho Caradoc (Caradawg), ou Caractacus, e sua filha Gladys, também chamada de Pompônia Graecina, e seus netos e netas; Gladys, também chamada de Cláudia Rufina; Eurgain, Lhyn (Linus) e Cynon foram mantidos em Roma durante sete anos em um local que foi chamado de Palácio Britânico. Pompônia Graecina, também chamada de Vênus Júlia, em uma aliança entre os silurianos e os romanos, casou-se com o Senador Aulus Plautius. Cláudia casou-se com Rufus Pudens Pudentius, oficial romano. Após a volta da família de Caradoc para a Silúria, o Palácio permaneceu com Cláudia e Rufus, que lá morava com sua mãe, que era também mãe de Paulo de Tarso[4]. O primeiro núcleo cristão de Roma começa com a família real galesa, sob a instrução de Paulo, com Linus. O já mencionado cardeal Baronius afirma: Chegou a nós, pela firme tradição de nossos antepassados, que a casa de Pudens foi a primeira que recebeu Paulo e que lá os cristãos se reuniam formando a igreja e que, de todas as nossas igrejas (em Roma), a mais antiga é essa. Paulo atuou durante dois anos em Roma e seis anos na Grã-Bretanha. De acordo com papa Pio XI, em 1931, foi Paulo, e não Agostinho, quem primeiro introduziu o cristianismo na Grã-Bretanha. No norte do País de Gales, Paulo fundou o mosteiro de Bangor.

Com Paulo atuaram o filósofo neopitagórico chamado Apolônio de Tiana[5], Lucas, Timóteo e Priscila. Também atuava com Paulo o irmão de seu mestre Barnabé, chamado Aristóbulo, ou Arwystli-Hen ou Arwystli-Senex, que trabalhou em Gales, também na região que hoje é chamada de S. Albano e na Ilha de Man, que era um local de sacerdotes e filósofos. Eurgain, filha de Caradoc, deu continuidade ao trabalho de Paulo depois da morte de Aristóbulo. Ela fundou um colégio em Caer Urgan, ou Llantwit Major. Com seu irmão Cyllin, construiu um templo e uma universidade e muitas escolas em Câmbria. Lúcio, ou Llerug Mawr, bisneto de Caradoc, deu um novo impulso. Foi o primeiro rei a aceitar o cristianismo como religião do reino. Sabellius, teólogo que ensinou em Roma no séc. III, disse: O cristianismo foi ensinado reservadamente em outro lugar, mas a primeira nação que o proclamou como sua religião e chamou-se cristã foi a Bretanha.

Pelágio (c. 355-c.425)

Pelágio, ou Morgan ou Morien, foi o 20º abade do mosteiro fundado por Paulo, Bangor. Nascido no País de Gales, procurou reviver as ideias druídicas com relação à natureza e ao livre-arbítrio do homem. Era muito culto, falava e escrevia em latim e em grego com fluência. Foi para Roma e, depois, para a Palestina e Egito. Escreveu comentários às Cartas de Paulo. Seu discípulo Celestius divulgou suas ideias. Defendia que o homem possui livre-arbítrio e pode alcançar com suas escolhas um elevado grau de virtude. No Concílio de Cartago, em 416, e no Sínodo de Mileve, foi condenado como herético. O Concílio de Éfeso, em 431, considerou o pelagianismo uma heresia, assim como o Concílio de Orange, em 529.

Todas as criaturas, sem exceção, possuem a presença de Deus em si.

Não devemos ser cruéis com nenhuma espécie de criatura.

Ninian (355-431/2) e a Casa Branca

Conhecido também como Ringan ou Ringen e Trynnian, Ninian introduziu os ensinamentos de Jesus entre os pictos, povos que viviam no norte da Grã-Bretanha, estabelecendo abadias. Fundou uma escola que possuía uma grande biblioteca chamada Casa Branca, ou Cândida Casa, em Galloway, na Escócia.

Patrick e Brígida

Patrick (c.409-c.493/5) foi um grande revigorador da tradição dos culdeus. Sua atuação foi intensa, organizando abadias e indicando seus diretores. Sua época é a das grandes escolas. Atuou especialmente no norte da Irlanda, fundando um centro na região de Armagh, em Ulster. A ele é atribuído o Hino Lorica, ou O Pranto do Cervo, escrito em um dialeto irlandês bem antigo. A Vida Tripartite de Patrick foi escrita no séc. VI e depois corrompida com interpolações que o apresentavam como um escravo, um inglês que visitou Roma. Usava uma versão da Bíblia que incluía os evangelhos apócrifos, anterior à versão de Jerônimo.

Brígida (452-525) foi discípula de Patrick, com quem conviveu de 12 a 15 anos acompanhando-o em suas viagens de ensino pela Irlanda. Foi continuadora de seu trabalho. Fundou o mosteiro de Kildare, também chamado de Templo do Carvalho, e outros três mosteiros mistos que muito contribuíram para a difusão do cristianismo celta na Irlanda. Kildare tornou-se um grande centro dos culdeus. Brígida era invocada como amiga do conhecimento, associada à cura e à compaixão. Chamada de “A Maria dos Gaélicos”, foi considerada a patrona dos curadores e poetas e protetora das mulheres. Fundou uma escola de artes em Kildare.

Os antigos centros irlandeses tinham um caráter intensamente monástico. Em volta dos templos estavam agrupadas pequenas cabanas em forma de colmeia, cada uma habitada por um, dois ou três ocupantes. Havia um refeitório onde as refeições eram feitas em grupo. Seus estabelecimentos não eram somente centros religiosos, mas escolas onde todo o tipo de conhecimento podia ser encontrado. Os monges irlandeses não eram de um tipo que se separava do mundo e dos interesses dos homens. Muitos mosteiros eram abertos a ambos os sexos. Não havia confissão, penitência nem absolvição. Não havia confessores, havia conselheiros chamados “amigos da alma”. Os religiosos podiam se casar. O casamento era um rito civil e era realizado por um magistrado. Não acreditavam em preces para santos nem para os mortos. Não tinham a doutrina da substanciação. Não usavam imagens ou estátuas. Não faziam a dispensação de indulgências. A missa era desconhecida para eles. As mulheres eram admitidas livremente nos mosteiros e não eram confinadas a cargos menos importantes. Elas chegavam a ocupar elevados postos e a se tornar abadessas de mosteiros que seguiam o mesmo padrão dos outros. Cada cidade tinha sua universidade além dos centros de aprendizado druídico.

Finnian (    -549)

Finnian permaneceu durante 20 anos na Casa Branca. Fundou vários núcleos na Escócia e depois se dirigiu para a Irlanda, onde fundou os mosteiros de Maghbile (Moville) e de Clonard. Finnian tinha contato com Brígida, a quem consultava. Foi chamado de “doutor de sabedoria”. Era especialmente dedicado ao estudo e à apresentação das Escrituras.

Columba (521-597)

Columba, também chamado de Collumcille ou Colum-cil, era bisneto do rei Erc, cujo clã havia se transferido da Irlanda para a costa oeste da Escócia, local que ficou conhecido como Dalriada. Os irlandeses que migraram para essa região foram chamados de scots.

Columba nasceu na Irlanda, estudou em Armagh e fundou os mosteiros de Derry, Durrow e Kells. Depois ingressou na escola de Moville, tutelada por Finnian, que havia trazido a tradição clássica da Cândida Casa de Ninian, o que incluía a filosofia, literatura, ciência e línguas. Columba estudou com Finnian durante sete anos. Posteriormente, tornou-se monge em Clonard.

Na convenção de Druim Cett, impediu que se banissem os bardos, que eram os preservadores da tradição oral dos druidas por meio de hinos, poesia e literatura. Ele próprio era um bardo.

Os primeiros 40 anos foram passados na Irlanda, fundando templos e mosteiros por toda a parte. Depois, por problemas políticos, foi para Iona, uma pequenina ilha na costa oeste da Escócia. A ilha de Iona já era consagrada ao propósito espiritual, pois foi o local onde os druidas se refugiaram de perseguições romanas, e Columba revigorou-a fundando um mosteiro que se tornou um grande centro difusor do cristianismo celta. Iona era distinta por sua grande biblioteca, iniciada pelos druidas. Era o repositório dos registros mais antigos da Escócia. Lá foram formados monges e monjas que fundaram centros pela Inglaterra e Escócia. Também foi chamada de Ilha de Columb Cille, de Ilha dos Druidas e de Ilha de São João. Iona não era só um lugar para retiro, mas um centro para contatos com os outros abades da Irlanda. Em Iona houve grande produção de livros. O mosteiro de Iona tinha autoridade sobre quase todos os mosteiros dos scots do norte e todos os dos pictos. Seu modelo era o de um colégio para transmitir o ensinamento e treinar outros para o trabalho de ensinar. Os monges eram ordenados pelo Colégio dos Culdeus de Iona.

Nos 34 anos que passou em Iona, Columba dedicou-se ao estudo das escrituras, à gramática grega, à astronomia, ao ensino e à escrita. Columba escreveu livros, especialmente hinos. A Biblioteca Bodleian, em Oxford, preserva 26 dos seus poemas em um manuscrito.

Trecho de um poema de sua autoria:

Eu não adoro a voz dos pássaros

Nenhum amor de filho ou de esposa.

Meu druida é Jesus, o filho de Maria, o grande abade. 

Escreveu um poema em homenagem a Brígida, em que a chamou de “A Maria dos Gaélicos”.

Columba escreveu a Regra de Iona, para os monges. Extratos da Regra de Columba:

Se sua consciência não está pronta para estar entre a multidão, fique em um lugar solitário próximo a uma cidade.

O que quer que possua, seja alimento, seja vestimenta, compartilhe com todos.

Três trabalhos no dia: meditar, trabalhar e estudar.

Sede vigilantes e orem por aqueles que os perturbam.

Fale apenas o necessário, coma apenas o necessário, durma apenas o necessário.

Esteja com a mente preparada e ame a seu próximo.

Os monges faziam cópias de livros na biblioteca, aprendiam a sabedoria dos ensinamentos e faziam seus ritos. Estudavam o gaélico, o latim, o grego e o hebraico. Os membros do mosteiro foram chamados por ele de Soldados de Cristo.

O sétimo abade de Iona, Cumméne, escreveu o primeiro relato da sua vida, e o nono abade, Adomnan, escreveu a principal biografia de Columba. A Columba era associada a capacidade de cura. Foi um bardo, um instrutor, grande organizador e grande líder. Seus discípulos mais importantes foram Baithene e Comgall. Comgall fundou o mosteiro de Bangor irlandês.

Em 793, as ilhas foram arrasadas pelos vikings, e Iona foi queimada por eles em 801 e em 805. A biblioteca foi desmembrada e levada para vários lugares, inclusive Roma. Sobre o pouco que restou foi construída uma abadia beneditina.

Columbanus (543-615) e Gall

Columbanus nasceu em Leinster, na Irlanda. Foi instruído no mosteiro de Bangor irlandês, fundado por Comgall, um dos principais discípulos de Columba. Da Irlanda foi para a França, em 589, com Gall, outro discípulo de Comgall, e outros. Viajou por boa parte da França e, na Borgonha, fundou a abadia de Luxeville, ou Luxeuil, que dirigiu por cerca de 20 anos, e outros dois mosteiros. Na Itália, fundou uma abadia em Bobbio, onde foram preservados na biblioteca as belas iluminuras e manuscritos da Cândida Casa e de Bangor irlandês. Muitos dos 700 manuscritos mantidos lá estão em escrita celta.

Gall fundou um mosteiro nas montanhas perto do Lago Constance, na Suíça. Esse mosteiro também foi um grande preservador de manuscritos irlandeses e da literatura irlandesa no continente da Europa.

Aidan de Lindisfarne (  -651)

Aidan foi um monge culdeu irlandês do mosteiro fundado por Columba em Iona. Atuou na ilha de Hii, no norte da Irlanda, e também na Nortúmbria, juntamente com o rei Oswald. Com o apoio do rei, fundou um mosteiro na Ilha de Lindisfarne, no leste da Escócia, próximo ao castelo de Oswald, em Bamburgh. Em Lindisfarne, Aidan se reunia com um grupo de monges que trouxe de Iona, e que era, ao mesmo tempo, um centro de irradiação da tradição dos culdeus e do conhecimento em várias áreas, a partir do qual surgiram vários novos centros, que se tornaram as melhores escolas em toda a região da Nortúmbria durante a Idade Média. Aidan instruía seus discípulos de acordo com a regra de Iona. Teve em Lindisfarne o mesmo papel que Columba em Iona. Após a morte de Oswald em combate, Aidan continuou a receber apoio do irmão de Oswald, o rei Oswin. Aidan dirigiu Lindisfarne durante 17 anos. Com a cooperação do rei Oswald, terminou o que hoje é a Catedral de York.

Rei Oswald

Rei Oswald foi filho do rei da Bernícia, Aethelfrith, e da princesa de Deira, Aacha. Bernícia e Deira eram os dois reinos que formavam a Nortúmbria, na Grã-Bretanha. Depois que seu pai foi vencido em batalha, sua mãe se refugiou entre os scots, na Dalriada (Escócia), e Oswald e seus irmãos foram enviados para o mosteiro de Iona, tendo sido criados nesse famoso centro de formação e estudos. Quando Oswald assumiu o trono, novamente unificando os reinos, estabeleceu-se no castelo de Bamburgh e apoiou Aidan na construção do mosteiro da ilha de Lindisfarne e na difusão do cristianismo celta naquela região. Para lá foram levados monges de Iona e foram construídos vários outros mosteiros, que também eram centros de conhecimento e bibliotecas. Além de Aidan, Oswald apoiou também sua irmã Aebbe, ou Ebba, que foi abadessa do mosteiro de Melrose. Oswald casou-se com a princesa Cineburga, filha do rei de Wessex. Morreu em combate em 642, na Batalha de Maserfield.

Hilda de Whitby (614-680)

Hilda foi abadessa dos mosteiros de Heruteu, Hartlepool e Streaneshalch, posteriormente denominado de Whitby. Foi ordenada por Aidan, que a orientou a fundar um pequeno mosteiro misto e cedeu a ela um pedaço de terra. Hilda estabeleceu em Hartlepool uma regra, ou seja, um modo de vida, baseado na Regra de Columba. A música e a poesia eram cultivadas como auxílio para transmitir ensinamentos.

Nessa época, o cristianismo latino está mais presente nessas regiões. No Sínodo de Whitby, em 664, é solicitado ao rei que decida sobre o ramo do cristianismo — o celta ou o romano — que irá prevalecer naquela região, para pacificar conflitos que ocorriam. O rei opta pelo romano. Em 673, o cristianismo celta é condenado como herético no Concílio de Hertford. Os culdeus são expulsos do reino, os abades são substituídos, a estrutura é assumida pelo cristianismo romano. Streaneshalchh foi destruída pelos vikings em ataques sucessivos entre 867 e 870.

Egberto de York (639-729)

Egberto (Ecgbert, Egberht ou Ecgberht) era de Lindisfarne. Fundou a Escola da Catedral de York, que se tornou renomada por seus professores e estudiosos e pela biblioteca, inigualável na Europa ocidental da época. Depois do Sínodo de Whitby, exila-se no mosteiro de Rathmelsigi, na Irlanda, onde se tornou abade, e depois se dirige para Iona, onde viveu durante 13 anos.

Willibrord (658-739)

Willibrord, também chamado de Clemente Scoto, nasceu na Nortúmbria, provavelmente em 6 de novembro de 658. Estudou em Ripon, perto de York. Aos 20 anos foi para a escola de Egberto, na abadia de Rathmelsigi, onde passou 12 anos. Foi enviado para a Frísia, que compreende o norte da França, a Bélgica, a Holanda. Com Winfrid (Bonifácio), fundou núcleos em Utrecht, Würzburg, Erfurt, Eichstadt. Atuou também na Dinamarca. Morreu no mosteiro que organizou em Echternach.

Winfrid (675-755 )

Winfrid, também chamado de Bonifácio, foi com seus companheiros para Utrecht e depois voltou para a Grã-Bretanha. Foi um colaborador direto de Willibrord na Frísia. Fundou mosteiros masculinos e femininos na Turíngia, Hesse, Würzburg, Fulda e Mainz. Presidiu sínodos e concílios. Promoveu reformas nos centros da Gália e coibiu abusos.

Willibald (   -786)

Primo de Winfrid, Willibald atuou em Würzburg, na Alemanha. Esteve na Síria com dois companheiros. Em outra viagem, foi de Nápoles a Éfeso, passando pela Sicília, Grécia e Chipre. Foi para Eichstadt a pedido de Winfrid. Em 742, fundou o mosteiro duplo de Heidenheim am Hahnenkam e nomeou seu irmão Winibald, o primeiro abade do mosteiro, e sua irmã Walburga a abadessa. Hodoeporicon é um relato de suas viagens ditado por ele antes de morrer. Escreveu uma biografia de Bonifácio.

Alcuíno (c. 730-804) e a Escola Palatina

Alcuíno (Ealhwine, Alhwin or Alchoin). Utilizou o pseudônimo de Albinus Flaccus. Nasceu na Nortúmbria. Estudou na escola que Egberto fundou na Catedral de York e dela foi diretor em 778, tendo ampliado significativamente sua biblioteca. Muitas vezes viajou pela Europa com o objetivo de copiar e reunir livros.

Depois foi para a França, a chamado de Carlos Magno, que o encarregou de realizar um programa educativo na França. Em Aix-la-Chapelle, que era a capital do reino dos francos, montou a Escola do Palácio, ou Escola Palatina, que se tornou a primeira universidade europeia. Carlos Magno encomendou uma revisão da Bíblia Vulgata, que é chamada “revisão alcuiniana”. Alcuíno foi o responsável pelos principais códices carolíngios, agora chamados Evangelhos Dourados.

Em 796 é nomeado abade do Mosteiro de San Martin de Tours, onde permaneceu até sua morte. Nessa abadia, criou uma vasta e rica biblioteca, revisou a coleção de manuscritos, corrigiu os códices antigos e copiou material raro. Relata-se que essas restaurações representaram quatro quintos dos importantes materiais clássicos e medievais antigos. Grande parte do que temos dos autores clássicos latinos se deve muito a Alcuíno e seus continuadores.

Escreveu A Vida de Willibrord. Alcuíno era descendente de Willibrord.

Nessa época, houve invasões vikings, que destruíram templos, queimaram bibliotecas e massacraram monges culdeus na Grã-Bretanha. Ao mesmo tempo, o ramo romano do cristianismo se fortalecia naquelas regiões. Nessa época viveu o monge Bede, autor de História Eclesiástica da Bretanha, na qual importantes personagens do cristianismo celta foram incorporados ao cristianismo católico, que passa a apresentá-los como bispos.

Rabano Mauro (   -856)

Rabano Mauro foi um monge de Mainz, Alemanha, que estudou com Alcuíno. Ele teve acesso a materiais que lhe permitiram escrever o livro chamado A Vida de Maria Madalena, que relata a chegada dos discípulos de Jesus à Gália. Esse livro está preservado no Magdalen College, em Oxford.

Nessa obra encontram-se os seguintes trechos:

Por um conselho da Providência Divina, eles se dirigiram para a região do Ocidente.

Máximo, Maria Madalena e sua irmã partem pelo mar.

Eles foram pelo Mar Tirreno, entre a Europa e a África, deixando a cidade de Roma e toda a terra da Itália à direita. Então, felizmente, chegaram perto da cidade de Marselha. Máximo foi para Aix, onde também Madalena terminou o curso de suas andanças.

Johannes Scotus Eriugena (c.810-c.877)

Eriúgena, “aquele que nasceu na Irlanda”, foi o pseudônimo adotado por este filósofo irlandês enquanto produzia textos na França no séc. IX. Viveu na Escócia e Inglaterra. Estudou gramática, retórica, lógica, música, astronomia, aritmética, geometria. Era fluente em grego

Foi para o reino dos francos quando a Irlanda foi invadida pelos vikings. Foi diretor da Escola Palatina no período de Carlos, o Calvo, que patrocinou uma escola de tradutores construída por irlandeses. Escreveu comentários ao Evangelho de João; comentários ao Timeu, de Platão. Sua obra mais conhecida e mais importante é Periphysyon, ou De divisione naturae, ou Sobre a divisão da natureza. Traduziu para o latim os textos da mística neoplatônica de Pseudo-Dionísio e escreveu comentários à Hierarquia Celeste. Tentava conciliar as ideias neoplatônicas das emanações com o dogma cristão da criação. Dividia a natureza em quatro aspectos: a natureza que gera e que não foi gerada (a Fonte e o Princípio de todas as coisas); a natureza que gera e que foi gerada (o mundo das causas primordiais, ou as Ideias Platônicas); a natureza que foi gerada, mas não gera (o mundo dos fenômenos, das coisas percebidas pelos sentidos), e a natureza que não gera nem é gerada, isto é, Deus, para o qual todas as coisas estão retornando. Seus escritos foram submetidos a três concílios e foram banidos.

Mais tarde os cátaros e os albigenses buscaram inspiração em suas obras, motivo pelo qual o De divisione naturae também foi banido no Concílio de Paris, em 1225. Posteriormente, místicos como Nicolau de Cusa e Mestre Eckhart bem como alquimistas foram influenciados por seu pensamento.

Algumas de suas ideias: O único inferno é a ignorância.

Um problema verdadeiramente religioso é um problema filosófico.

A interpretação literal das Escrituras levaria facilmente a erros grosseiros, é preciso desvendar o sentido espiritual que se esconde sob a letra.

Há uma harmonia no universo.

Deus é Uno.

A pluralidade retornará à Unidade.

Cátaros e Trovadores

No sul da França, na região da Provença, seguidores das ideias de um sacerdote búlgaro chamado Bohomil (amado por Deus) foram conhecidos como os cátaros, os puros. Inicialmente, essas ideias foram divulgadas na Provença principalmente por Sidor, o Franco (  -940), e Jacob Tsental. Os bogomilos eram os continuadores dos paulicianos, que, por sua vez, eram continuadores dos maniqueus e dos gnósticos. Os cátaros estudavam especialmente o Evangelho de João e também conheciam o Evangelho Apócrifo de João, Pistis Sophia e outros textos gnósticos, como o Hino de Jesus. Destacavam a necessidade de purificação das paixões egoístas, assim como os bogomilos.

Os cátaros defendiam fortemente o vegetarianismo e o respeito a toda vida, seja ela humana, seja animal, seja vegetal. Ressaltavam que deveriam aperfeiçoar-se interiormente e cultivar o amor e a pureza, temáticas centrais na poesia e nos romances dos trovadores. Tal busca de aperfeiçoamento interior era chamada pelos cátaros de “tecedura da Veste de Luz”, como encontramos descrito em Pistis Sophia e no poema de Bardesanes O Hino da Veste de Glória. Como rito, tinham o Consolamentum, o batismo de um Perfeito, os mais dedicados, que era dado após uma longa e profunda purificação. Enfatizavam a necessidade da experiência interior através da meditação. Faziam sérios estudos filosóficos e tinham muito respeito pelas escrituras. Como povo, os cátaros viveram entre os séculos XI e XIV no norte da Itália, sul da França e oeste da Espanha. Os locais de maior força cátara estavam entre Carcassone, Toulouse e Albi.

Os trovadores cátaros disseminavam os ensinamentos. Segundo o autor Görres, São Francisco de Assis foi trovador[6]. Além disso, segundo Isabel Cooper-Oakley, ele e alguns franciscanos haviam sido cátaros[7].

Os Cistercienses e os Templários

Stephan Harding foi um inglês que estudou na Escócia e em Paris e organizou o mosteiro de Cister, ou Citeaux, na região de Champanhe, na França. Procurou retornar ao genuíno espírito do cristianismo. Buscou livros e levou para Cister rabinos da Alta Borgonha para estudarem o hebraico, fazerem comentários à Bíblia, o Talmude e a Cabala. Os monges vestiam-se de branco e eram vegetarianos. No início, os cistercienses foram chamados de “Os Novos Soldados de Cristo” e de “Milícia Espiritual”. Os primeiros cistercienses também acolheram cátaros.

Hugo de Payens (1070-1136) foi o fundador da Ordem dos Templários. Nobre da Casa de Champagne, foi discípulo de Rabbi Shlomo Yitzhaki, chamado de Rashi, que foi o chefe da Escola dos Tosafistas, comentadores do Talmude, em Troyes, no Condado de Champagne. Com Hugo de Champagne e outros franceses empreendeu viagens ao Oriente Médio, à Inglaterra e à Escócia e trouxe documentos para a França.

Hugo de Champagne ofereceu terras a Stephan Harding para que fundasse a Abadia de Claraval, ou Clairvaux, que foi dirigida por Bernardo de Claraval. O trabalho dos monges de Cister e dos sábios judeus pode ter consistido na tradução e interpretação dos textos trazidos pelos templários.

Bernardo de Claraval foi um grande místico e líder religioso. Enfatizava a humildade, o amor e a verdade. Em 1130, escreveu o texto Louvor à Nova Milícia, ou à Nova Cavalaria, a pedido de Hugo de Payens. Bernardo designa a ordem dos templários sob o nome de “milícia de Deus“ e seus membros de “ministros de Cristo”. Bernardo manteve contato com os cátaros de Albi e Toulouse e com Meal O’Morgair, conhecido como São Malaquias.

Malaquias (1094-1148) foi um irlandês que procurou reorganizar o cristianismo celta na Irlanda. Atuou em Armagh e em outros centros da Irlanda, como Connor e Down. Fundou um mosteiro em Kerry.

Em 1118, foi estabelecida a Ordem dos Cavaleiros Templários, que era uma ordem religiosa laica. A regra da ordem foi escrita por Bernardo de Claraval. Os primeiros templários foram: Hugo de Payens, Hugo de Champagne, Geoffrey de St.-Omer, Geoffrey Bisot, André de Montbar, Gundomar, Payen de Montdidier, Roral, Archambaud de St-Aignan. Alguns deles haviam sido monges cistercienses. Além de ir ao Oriente Médio, Hugo de Payens visitou a região de Flandres e de Anjou, percorreu Gales e Escócia e esteve na Espanha. Geoffrey de Bisot era da região de Flandres e atuou no Languedoc, terra dos cátaros. Hugo Rigaud atuou na Provença e na Espanha. Existiam núcleos templários na França, Irlanda, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Portugal. Hugo de Payens foi o grão-mestre, o diretor, da ordem. Os cavaleiros templários usavam um manto branco, ao qual foi acrescentada uma cruz vermelha posteriormente.

João Batista era reverenciado pelos templários, que lhe consagraram inúmeras capelas. Também dedicaram inúmeras capelas a Maria Madalena. Bernardo de Claraval inicia o culto a Maria, mãe de Jesus, que também é reverenciada pelos templários. Os templários visavam restaurar os valores cristãos perdidos, recuperar a pureza original. Blavatsky afirma: “A versão verdadeira da história de Jesus e do cristianismo primitivo foi revelada a Hugo de Payens pelo Sumo Sacerdote da Ordem do Templo (da escola nazarena ou joanita) chamado Theocletes”[8]. Além disso, estudavam a alquimia e a cabala.

Os Templários e a Escola de Tradutores de Toledo

Raimundo Bernardo (    -1224/5), o arcebispo da Catedral de Toledo, favoreceu o intercâmbio cultural entre as tradições cristã, islâmica e judaica. Criou vários núcleos cistercienses na Espanha e Portugal, dos quais alguns também serviram de base para os templários. Chamou um grupo de franceses para atuar em Toledo, entre eles o cisterciense Raimundo de Sauvetat, que o sucede em 1126. Em 1127, Hugo de Payens esteve em Toledo, quando começou a ser organizada o que ficou conhecido como a Escola dos Tradutores de Toledo. Dessa escola destacam-se Gundisalvo e João de Sevilha, ou Juan Hispanus, Abelardo de Bath, Hermann, Roberto de Chester e Gerardo de Cremona. Por meio deles chegou à Europa, entre 1125 e 1150, grande quantidade de textos árabes sobre medicina, física, astronomia, cosmologia, matemática, filosofia neoplatônica e árabe, alquimia, cabala, que foram traduzidos para o latim. Podemos destacar as traduções das Enéadas, do neoplatônico Plotino, sob o nome de Teologia de Aristóteles, comentado por xiitas ismailitas; do Livro das Causas, baseado em Elementos de Teologia, de Proclo; dos textos alquímicos de Geber, al-Kindi, al-Farabi, Avicena[9]; dos textos sufis de al-Ghazali; dos textos do filósofo Ibn Gabirol; do Alcorão; do Talmude, da tradição do Graal. Toledo tornou-se um centro de traduções e um símbolo da renovação ocidental.

A Literatura do Graal

Junto com os cavaleiros templários, na região de Troyes, capital do Condado de Champagne, surgem os romances de cavalaria da Literatura do Graal. Recipiente de energia doadora de vida e de sabedoria, o Graal adquire diferentes formas nas diversas obras: ou é um prato, um vaso, uma pedra ou um cálice, forma como ficou mais conhecido. Os primeiros dos principais romances foram escritos por Chrétien de Troyes. Em seguida, o poeta borgonhês Robert de Boron escreveu José de Arimateia e Merlin, apresentando a busca dos cavaleiros como uma busca espiritual, em vez da aventura cortês usual. Boron narra que Arimateia instruiu Bron e o chamou de Rico Pescador e que os ensinamentos de Jesus foram levados para a ilha de Avalon, no extremo Ocidente. O Ciclo Vulgata, ou Ciclo Lancelot, foi escrito por monges cistercienses, sob o pseudônimo de Walter Map. Em A Busca do Santo Graal, escrito em 1215, lemos:

“José de Arimateia, após a morte de nosso Senhor, deixou Jerusalém junto com seus numerosos parentes”;

“Josefo, filho de Arimateia, e seu pai deixaram Sarraz e chegaram à Grã-Bretanha”;

“Aconteceu naquele tempo que José de Arimateia chegava a esse país com numerosa comitiva”;

“A Busca não é de coisas terrenas, mas celestiais”;

“Quando tiveres realizado tantos feitos que o transformarão de terreno em espiritual, ingressarás na cavalaria espiritual”.

Além disso, os romances tratam do rei Arthur e do mago Merlin; da Dama do Lago Vivien, que aprendeu magia com Merlin; dos cavaleiros da Távola Redonda, como Lancelot, Lionel e Bors; ao mesmo tempo em que fazem inúmeras alusões aos cavaleiros templários. O trovador alemão Wolfram von Eschenbach relata ter escrito seu Parsifal a partir do acesso que lhe foi dado a um material escrito em língua pagã que estava em Toledo. Aponta os templários como guardiões da tradição do Graal e também aponta que havia uma tradição irmã que se preservava no Islã. Henry Corbin, no século XX aponta que Abul Khattab, discípulo do VI Imã e mestre de Ismail, o VII Imã, realizava uma liturgia xiita do Graal e que a busca pelo Imã oculto representava para um ismailita o que a busca pelo Graal representava para os cavaleiros místicos do Ocidente. Segundo Karen Ralls em The Templars and the Grail, “existem evidências de elos templários medievais com o mundo muçulmano, especialmente com os ismailitas nizaris”[10], também conhecidos, nos tempos medievais, como “assassins”, batiniyah, porque buscavam o sentido interno (batin) oculto no Alcorão. Assim como os templários, eles usavam as cores branco e vermelho. Diz Pierre Ponsoye, em l’Islam et le Graal: “O ensinamento do Graal parece comportar duas correntes distintas: uma de aparência especificamente cristã, enriquecida com a contribuição celta, e uma corrente que guarda a marca de sua inspiração oriental e de sua filiação islâmica e templária, idêntica quanto à essência do ensinamento”.

Estrita Observância Templária – EOT

A Estrita Observância Templária é uma retomada da ordem dos templários e do gnosticismo. Trabalhava com a tradição do Graal. O mais importante personagem é Charles Gottelf, o Barão von Hund (1722-1776). Nobre da Lusácia, aliada da Áustria, teve que fugir para a Boêmia por causa da Guerra dos Sete Anos. Em Paris, foi recebido por Lorde Kilmarnok, da Escócia. Foi nomeado Coadjutor da 7ª Província, Germânia Inferior. Visitou a Escócia e retornou para a Alemanha, para introduzir os graus templários na Maçonaria, em 1751. Hund recebeu o alto grau dos templários em Paris. Estabeleceu uma Loja Templária e, em Kittlitz, reconstruiu uma igreja que servia de sede para a EOT.

Starck (1741-1816)

Johann August Starck liderou a organização chamada Cônegos Templários. Professor de línguas orientais, teologia e filosofia, defendia que as tradições dos cavaleiros templários eram preservadas pelos sacerdotes da Ordem: “A Ordem dos Templários continuara a existir durante 450 anos, secretamente, é verdade”. Dizia que os clérigos eram do Colégio Interno dos Templários Antigos. Atuou em S. Petesburgo, na Rússia, e em Paris e Wismar. Starck, Vegesack e von Bohmen fundaram em Wismar a Loja dos Três Leões e acrescentaram um Capítulo Templário.

Vegesack

Estabeleceu contato com Starck em 1766 e contribuiu para estabelecer o elo dos Cônegos com a EOT. Starck e Vegesack entraram em contato com Raven e Schroeder para fundar na Ordem Interior da EOT um colégio Interno (Clérigos). Hund consentiu com a união dos dois sistemas, e os mais qualificados cavaleiros da EOT entraram nesse colégio interno. Sob a influência dos Clérigos, a EOT adotou em seu interior a obediência à regra de Bernardo de Clairvaux.

O Renascimento Celta

No fim do século XIX e início do século XX houve o movimento chamado Renascença Celta, ou Renascimento Literário Irlandês, que buscou reavivar o interesse pela cultura celta. Muitos sacerdotes galeses e irlandeses, como J. W. Williams, retomaram o cristianismo celta, apontando suas origens.

Arthur Edward Waite (1857-1942), importante escritor inglês, dedicou-se a pesquisas sobre essa tradição e escreveu A Igreja Oculta do Santo Graal.

C.G. Jung e o Graal

Sobre a tradição do Graal, Jung declarou: Li essas histórias pela primeira vez aos quinze anos, e isso foi um acontecimento inesquecível, uma impressão que nunca mais desapareceu! Desconfiava que havia um mistério nessas histórias. Em outro momento disse: Se o respeito que sentia pelo trabalho de minha mulher não me houvesse impedido, certamente teria incorporado a lenda do Graal às minhas pesquisas sobre a alquimia. De fato, sua esposa dedicou-se a pesquisar esse tema e escreveu o livro, publicado postumamente, A Lenda do Graal. Jung ainda afirmou: …o mundo dos cavaleiros do Graal e sua busca; era esse o meu mundo, no mais íntimo sentido da palavra, sem relações com o de Freud. Tudo em mim buscava essa parte ainda ignorada, que pudesse dar sentido à banalidade da vida.

 

[1] Mateus, 27, 57. Provavelmente, é o mesmo José que aparece em Mateus 13,55.

[2] Lib. Adv. Judaeus, cap. 7

[3] Demonstratio Evangelica, L. iii. c. 7

[4] “Saudai a Rufo, este eleito do Senhor, e sua mãe, que também é minha(Romanos 16,13, Bíblia de Jerusalém)

[5] Na Bíblia, aparece como Apolo.

[6] Görres, J., Der heilige Franciskus von Assisi, ein Troubadour, Strassburg, 1826, in Maçonaria e Misticismo Medieval, de Isabel Cooper-Oakley.

[7] Isabel Cooper-Oakley. Maçonaria e Misticismo Medieval, São Paulo, ed. Pensamento, p. 85, Görres, J., Der heilige Franciskus von Assisi, ein Troubadour, Strassburg, 1826, citado por Isabel Cooper-Oakley.

[8] H.P. Blavatsky. Ísis sem Véu, vol. II. Disponível em http://www.theosociety.org/pasadena/isis/iu2-08b.htm. Acesso em fevereiro de 2018.

[9] Sobre as traduções da obra de Avicena, diz Henry Corbin no Post-scriptum Biográfico a uma Entrevista sobre Filosofia: Dentre os textos abordados por Étienne Gilson ao longo desses anos fecundos, havia os textos traduzidos do árabe para o latim pela Escola de Toledo, no século XII e, encabeçando esses textos, o célebre livro de Avicena: “Liber Sextus Naturalium”, ao qual o comentário de Gilson dava uma amplitude singular. Esse foi meu primeiro contato com a filosofia islâmica.

[10] Karen Ralls. The Templars and the Grail, Wheaton, EUA, The Theosophical Publishing House, 2003, p.12.