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Salistamba Sutra – O Sutra do Broto de Arroz

 

1. Homenagem a todos os Buddhas e Bodhisattvas!

2. Assim ouvi uma vez. O Bhagavan residia na montanha do Pico dos Abutres, em Rajagriha, com uma grande saṅgha de 1.250 bhikṣus e com muitos bodhisattvasmahāsattvas. Naquela época, o venerável Shariputra foi ao local frequentado pelo bodhisattvamahāsattvaMaitreya. Depois de se cumprimentarem ao se encontrar, os dois se sentaram em uma pedra.

3. O venerável Shariputra então disse ao bodhisattvamahāsattvaMaitreya: “Maitreya, aqui hoje o Bhagavan, olhando um broto de arroz, disse este sutra aos bhikshus: ‘Bhikshus, quem vê o surgimento dependente vê o Dharma. Quem vê o Dharma vêBuddha’. Tendo dito isso, o Bhagavan ficou em silêncio. Maitreya, qual é o significado desse sutradito pelo Sugata?  O que é surgimento dependente? O que é o Dharma? O que é o Buddha? Como se vê o Dharma vendo o surgimento dependente? Como alguém vê o Buddha vendo o Dharma? ”

4. O bodhisattvamahāsattvaMaitreya então respondeu ao venerável Sharadvatiputra:“Venerável Sharadvatiputra, você quer saber o que é o surgimento dependente na afirmação feita pelo Bhagavan, o Senhor do Dharma, o Onisciente: ‘Bikshus, quem vê o surgimento dependente vê o Dharma. Quem vê o Dharma vê o Buddha?’Bem, a expressão‘surgimento dependente’ significa que algo surge porque uma outra coisa já existe; algo nasce porque um outro algo já nasceu. Isto é, avidya(ignorância espiritual) causa os samskaras(fatores condicionantes). Os samskaras causam vijnana(consciência). Vijnanacausa nome e forma. Nome e forma causam as seis bases dos sentidos. As seis bases dos sentidos causam o contato. O contato causa a sensação. A sensação causa o desejo. O desejo causa o apego.O apego causa a existência. A existência causa o nascimento. E o nascimento causa envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, sofrimento, desespero e ansiedade.

5. Quando cessam os samskaras(fatores condicionantes), vijnana(consciência) cessa.Quando vijnana(consciência) cessa, nome e forma cessam.Quando nome e forma cessam, as seis bases dos sentidos cessam.Quando as seis bases dos sentidos cessam, o contato cessa.Quando o contato cessa, a sensação cessa.Quando a sensação cessa, o desejo cessa.Quando o desejo cessa, o apego cessa.Quando o apego cessa, a existência cessa.Quando a existência cessa, o nascimento cessa. E quando o nascimento cessa, envelhecimento e morte, tristeza,lamentação, sofrimento, desespero e ansiedade cessam. Assim, toda essa grande quantidade de sofrimento cessa.É o que o Bhagavan chamou de surgimento dependente.

6. “O que é o Dharma? O Dharma é o nobre óctuplocaminho: reta visão, reto pensamento, reta fala, reta ação, reto meio de vida, reto esforço, reta atenção e reta meditação. Este óctuplo caminho dos aryas, combinado com a obtenção de seus resultados e nirvana, é o que o Bhagavan chamou de Dharma.

7. “Quem é o BuddhaBhagavan? Um Buddha, assim chamado por compreender todos os dharmas, é dotado do olho prajna (sabedoria) dos aryas e [dotado] do Dharmakayae, portanto, percebe os dharmas[1]daquilo que ilumina, os que ainda estão em treinamento e os daqueles que estão além do treinamento.

8. “Como alguém vê o surgimento dependente? Nesse ponto, o Bhagavan disse: ‘Aquele que vê o surgimento dependente como permanente, destituído de vida,livre de vida, assim como é, inequívoco, não nascido, não surgido, não criado, não composto, não condicionado, desobstruído, sem base,sereno, destemido, incontroverso, inexaurível, possuindo uma natureza essencial que não é pacificada, aquele que vê o Dharma de modo semelhante, como permanente, destituído de vida, livre de vida, assim como é, inequívoco, não nascido, não surgido, não criado, não composto, não condicionado, desobstruído, sem base, sereno, destemido, incontroverso, inexaurível, possuindo uma natureza essencial que não é pacificada, tendo entendido o nobre Dharma, possuindo a perfeita sabedoria, vê o Buddha, o insuperável Dharmakaya.

9. “Por que é chamado surgimento dependente? É chamado surgimento dependente porque possui causas e possui condições, não é sem causa nem sem condições. Independentemente de os Tathagatas aparecerem ou não, essa verdadeira natureza das coisas permanecerá. Isso que é a verdadeira natureza, a estabilidade dos dharmas, o princípio invariável dos dharmas, a conformidade com o surgimento dependente, aquilo que é (tathata), inequívoco aquilo que é, único aquilo que é, verdade e realidade, inequívoca e infalível.

10. “Além disso, o surgimento dependente emerge de dois princípios. De quais dois princípios? De uma relação de causas e de uma relação de condições.

11. “Qual é a relação de causas no surgimento dependente externo? É a seguinte: de uma semente surge um broto; de um broto, uma folha; de uma folha, um caule; de um caule, uma haste; de uma haste, um pistilo; de um pistilo, uma flor; e de uma flor surge um fruto. Se não há semente, o broto não pode surgir, e assim por diante, até, finalmente, sem a flor, o fruto não pode surgir. Se há uma semente, o broto forma-se e assim por diante, até, finalmente, se há uma flor, então o fruto forma-se.

12. “Neste processo, a semente não pensa: ‘Eu formo o broto’. Nem o broto pensa: ‘Eu sou formado pela semente’. Da mesma forma, a flor não pensa: ‘Eu formo o fruto’. Os frutos não pensam: “Sou formado pela flor”. No entanto, se houver uma semente, o broto tomará forma e surgirá e assim por diante até, finalmente, da mesma forma, se houver uma flor, o fruto tomará forma e surgirá. Deste modo, a relação de causas no surgimento dependente externo deve ser vista.

13. “Então, como se vê a relação de condições no surgimento dependente externo? Como devido à junção de seis elementos. Devido à junção de quais seis elementos? Especificamente, o surgimento dependente condicional deve ser visto como devido à junção dos elementos terra, água, fogo, ar, espaço e estação.O elemento terra funciona como suporte para a semente.O elemento água umedece a semente.O elemento fogo amadurece a semente.O elemento ar abre a semente. O elemento espaço desempenha a função de não obstruir a semente. E a estação transforma a semente. Sem essas condições, um broto não pode se formar a partir de uma semente. Mas quando o elemento externo da terra não é deficiente e, da mesma forma, a água, o fogo, o ar, o espaço e a estação do ano não são deficientes, então, a partir da reunião de todos esses fatores, um broto se forma à medida que a semente cessa.

14.”O elemento terra não pensa: ‘Dou suporte à semente’. O elemento água não pensa: ‘Umedeço a semente’. O elemento fogo não pensa: ‘Amadureço a semente’. O elemento ar também não pensa: “Eu abro a semente”. Nem o elemento espaço pensa: “Certifico-me de que a semente não esteja obstruída”. Nem a estação pensa: “Transformo a semente”. Nem a semente pensa: “Formo o broto”. O broto também não pensa:”Sou formado por essas condições”. No entanto, quando essas condições estão presentes e a semente cessa, o broto se forma. Da mesma forma, quando finalmente há uma flor, o fruto se forma.

15.“O broto não é criado por si mesmo, não é criado por outro, não é criado por ambos, não é criado por Ishvara, não é transformado pelo tempo, não é derivado de uma natureza essencial e não nasce sem causa. No entanto, através da união dos elementos terra, água, fogo, ar, espaço e estação, o broto forma-se à medida que a semente cessa.

Assim a relação de condição no surgimento dependente externo deve ser vista.

16. “Aqui, o surgimento dependente externo deve ser visto em termos de cinco aspectos. Quais são os cinco aspectos? Ele não é permanente, não é descontínuo, não envolve transmigração, um grande resultado surge a partir de uma pequena causa ehá continuidade de tipo semelhante.

17. “Como não é permanente? Não é permanente porque o broto e a semente são diferentes. O broto não é a semente. O broto não provém da semente depois que ela cessou nem provém da semente enquanto ainda não cessou.Em vez disso, o broto nasce precisamente quando a semente cessa.

18. “Como não é descontínuo? Não é descontínuo porque um broto não nasce de uma semente que já cessou nem de uma semente que ainda não cessou. Em vez disso, como a trave de uma balança que se inclina de cima para baixo, um broto nasce precisamente quando a semente cessa.

19. “Como não envolve transmigração? Não envolve transmigração porque o broto e a semente são diferentes; o que é o broto não é a semente.

20. Um grande fruto é produzido a partir do plantio de uma pequena semente; portanto, isso implica a produção de um grande resultado a partir de uma pequena causa.

21.“Por fim, os frutos são produzidos precisamente de acordo com o tipo de semente plantada. Portanto, envolve uma continuidade de tipo semelhante.

“Assim, o surgimento dependente externo deve ser visto em termos de cinco aspectos.

22. “Da mesma forma, o surgimento dependente interno também surge de dois princípios. De quais dois princípios? De uma relação de causas e de uma relação de condições.

23. “Qual é, então, a relação de causas no surgimento dependente interno? Ela começa com avidya(ignorância espiritual) causando samskaras(fatores determinantes), e assim por diante até que, finalmente, o nascimento causa envelhecimento e morte. Se avidya não surge, os samskaras não se manifestam, e assim por diante até, finalmente, se o nascimento não surge, o envelhecimento e a morte não se manifestam. Além disso, a partir da existência de avidya, ocorrem samskaras, e assim por diante até, finalmente, a partir da existência do nascimento, ocorre o envelhecimento e a morte.

24. “Avidya não pensa:’Produzo samskaras‘. Nem os samskaras pensam:’Somos produzidos por avidya‘, e assim por diante. Finalmente, o nascimento não pensa:’Produzo envelhecimento e morte’. Nem o envelhecimento e a morte pensam: ‘Eu sou produzido por nascimento’. No entanto, os samskaras tomam forma e surgem através da existência deavidya, e assim por diante até que, finalmente, o envelhecimento e a morte tomam forma e surgem através da existência do nascimento.

“Assim, a relação de causas no surgimento dependente interior surge.

25. “Como a relação de condições no surgimento dependente interno deve ser vista? Como devida à reunião de seis elementos. Devida à reunião de quais seis elementos? Especificamente, a relação de condições no surgimento dependente interno deve ser vista como devida à reunião dos elementos da terra, água, fogo, ar, espaço e vijnana(consciência).

26. “Aqui, qual é o elemento terra no surgimento dependente interno? O que se reúne para formar a solidez do corpo é chamado elemento terra. O que fornece coesão ao corpo é chamado elemento água. O que digere o que o corpo come, bebe, mastiga e saboreiaé chamado de elemento fogo. O que desempenha a função de inalação e expiração do corpo é chamado elemento ar. O que permite ao corpo ter espaços vazios no interior é chamado elemento espaço. O que produz os brotos de nome e forma, como juncos em um feixe — a combinação das cinco coleções de vijnana, juntamente com a consciência contaminada — é chamado de elemento de vijnana(consciência). Sem essas condições, o corpo não pode nascer. Mas quando o elemento interior da terra não é deficiente e, da mesma forma, os elementos de água, fogo, ar, espaço e vijnana não são deficientes, então, a partir da reunião de todos esses fatores, o corpo se forma.

27. “Nesse processo, o elemento terra não pensa:’Eu forneço solidez ao corpo ao juntá-lo’. Nem o elemento água pensa: ‘Eu forneço coesão ao corpo’. Nem o elemento fogo pensa: ‘Eu digiro o que o corpo come, bebe, mastiga ou saboreia’. O elemento ar também não pensa: ‘Eu desempenho a função de inspiração e expiração do corpo’. Nem o elemento espaço pensa: ‘Eu crio espaços vazios dentro do corpo’. Nem o elemento de vijnana pensa: ‘Eu produzo nome e forma do corpo’. Nem o corpo pensa: ‘Eu sou produzido por essas condições’. No entanto, quando essas condições estão presentes, o corpo nasce.

28. “O elemento terra não é um eu, um ser, uma força de vida, uma criatura, um ser humano, uma pessoa, uma mulher, um homem, neutro, eu, meu oude outra pessoa.

“Da mesma forma, o elemento água, o elemento fogo, o elemento ar, o elemento espaço e o elemento vijnana(consciência) também não são um eu, um ser, umaforça de vida, uma criatura, um ser humano, uma pessoa, uma mulher, um homem, eu ou meu, de outra pessoa.

29. “Aqui o que é avidya(ignorância espiritual)? Aquilo que percebe esses mesmos seis elementos como unitários, inteiros, permanentes, constantes, eternos, prazerosos, um eu, um ser, uma força vital, uma criatura, uma alma, um homem, um indivíduo, um ser humano, uma pessoa, eu e meu, juntamente com muitas outras variações de compreensão equivocada, chama-se avidya. A presença de tal ignorância espiritualcausa desejo, aversão e ilusão em relação aos objetos. O desejo, a aversão e a ilusão em relação aos objetos são os samskaras causados por avidya. O que distingue entre objetos individuais é vijnana(consciência). Os quatro agregados por apropriação que emergem em conjunto com vijnana [juntamente com o agregado da forma material] são nome e forma. As faculdades baseadas em nome e forma são as seis bases dos sentidos. A conjunção dos três fatores é o contato. A experiência do contato é a sensação. A atração pela sensação é o desejo. A intensificação do desejo é o apego. O karma,surgindo do apego e produzindo renascimento, é existência. O surgimento dos agregados a partir dessa causa é o nascimento. O amadurecimento dos agregados após o nascimento é envelhecimento. O perecimento dos agregados envelhecidos é a morte. O tormento interno da pessoa iludida efortemente apegada que está morrendo é tristeza. A fala que provém da tristeza é o lamento. A experiência de desconforto associada à coleção das cinco vijnanas(consciências) é o sofrimento. O sofrimento mental acompanhado pela atenção é o desespero. Além disso, quaisquer outras contaminações sutis desse tipo são chamadas de ansiedade.

30. “Eles são chamados de avidya no sentido de obscurecimento;samskaras no sentido de formação; vijnanano sentido de fazer conhecer; nome e forma no sentido de apoio mútuo; as seis bases dos sentidos no sentido de entradas; contato no sentido de contato; sensação no sentido de experiência; desejo no sentido de sede; apego no sentido de apego; existência no sentido de dar nascimento a repetidas existências; nascimento no sentido de surgimento dos agregados; envelhecimento no sentido de amadurecimento dos agregados; morte no sentido de perecimento; tristeza no sentido de luto; lamentação no sentido de pranto; sofrimento no sentido de tormento corporal; desespero no sentido de tormento mental; e ansiedade no sentido de contaminação sutil.

“Além disso, não conhecer a realidade, no sentido de não apreendê-la e interpretá-la mal, é avidya.

31. “Se avidya está presente, três tipos de samskaras desenvolvem-se: aqueles que conduzem a estados meritórios, aqueles que conduzem a estados não meritórios e aqueles que conduzem a estados neutros. Isso é o que se entende por ‘avidya causa ossamskaras(fatores condicionantes)’.

32. “Dos samskaras que conduzem a estados meritórios surge a consciência(vijnana) que conduz a estados meritórios. Dos samskaras que conduzem a estados não meritórios, surge a consciência que conduz a estados não meritórios. E dos samskaras que conduzem a estados imóveis[2], surge a consciência que conduz a estados imóveis. É isso que significa ‘os samskaras causam a consciência (vijnana)‘.

33. “Os quatro agregados imateriais que emergem junto com vijnana(consciência), juntamente com a forma física,são o que se entende por ‘vijnana causa nome e forma.’

34. “Devido ao desenvolvimento de nome e forma, a realização de ações por meio das entradas das seis bases dos sentidos ocorre. Isso é o que se entende por ‘nome e forma causam as seis bases dos sentidos sensoriais’.

35. “Das seis bases dos sentidos surgem os seis conjuntos de contato. Isso é o que significa ‘as seis bases dos sentidos causam contato’.

36. “As sensações ocorrem precisamente de acordo com o tipo de contato que ocorre. É isso que significa ‘contato causa sensação’.

37. “Desfrutar desses diferentes tipos de sensação, regozijar-se com eles, apegar-se a eles, e manter esse apego é o que se entende por ‘sensação provoca desejo’.

38. “Do desfrute, do regozijo, do apego e da manutenção desse apego, surge uma relutância em abandonar, com o desejo repetido: ‘Possa eu nunca me separar dessas formas queridas e agradáveis!’ É isso que significa’desejo causa apego’.

39. “Assim desejando, o karma que produz o renascimento surge pelo corpo, fala e mente. Isso é o que se entende por ‘apego causa a existência’.

40. “A formação dos cinco agregados nascidos dessas ações é o que se entende por ‘existência causa o nascimento’.

41. “O amadurecimento do desenvolvimento dos agregados formados no nascimento e sua desintegração é o que se entende por ‘nascimento causa envelhecimento e morte’.

42. “Assim, esse surgimento dependente de doze elos, o qual provém de várias causas diferentes e de várias condições diferentes, não é permanente nem impermanente, não é composto nem não composto, não é sem causa ou condição, não é um experimentador, não é algo exaurível, algo destrutível ou algo que cessa. Ele vem prosseguindo desde tempos imemoriais, sem interrupção, como o fluxo de um rio.

43. “Esse surgimento dependente de doze elos, o qual provém de várias causas diferentes e de várias condições diferentes, não é permanente nem impermanente, não é composto nem não composto, não é sem causa ou condição, não é um experimentador e não é algoexaurível, algo destrutível ou algo que cessa. De fato, ele vem prosseguindo desde tempos imemoriais, sem interrupção, como o fluxo de um rio. No entanto, existem quatro elos que servem como causa para a montagem desse surgimento dependente de doze elos.Quais quatro elos? Especificamente, avidya, desejo, karma e vijnana(consciência).

44. “A consciência funciona como causa por ter a natureza de uma semente. Karma funciona como causa por ter a natureza de um campo. Avidyae o desejo funcionam como causas por terem a natureza dos kleshas(aflições).

45. “O karma e os kleshasfazem crescer a semente da consciência. Aqui o karma funciona como o campo da semente da consciência. O desejo umedece a semente da consciência. Avidyaplanta a semente da consciência.

46. “Nesse processo, o karma não pensa: ‘Eu funciono como o campo da semente da consciência’. Nem o desejo pensa: ‘Eu umedeço a semente da consciência’. Nem avidya pensa: ‘Eu semeio a semente da consciência’. A semente da consciência também não pensa: ‘Eu sou produzida por essas condições’. No entanto, quando a semente da consciência cresce, plantada no campo do karma, umedecida pela água do desejo e espalhada com o adubo de avidya, o surgimento de nome e forma realiza-sedentro do útero da mãe pelo qual a pessoa vai renascer.

47. “E esse broto de nome e forma não é criado por si mesmo, não é criado por outro, não é criado por ambos, não é criado por Ishvara, não é transformado pelo tempo, não é derivado da natureza, não depende de um único fator e não nasce sem causa. No entanto, a partir da combinação da união dos pais, do período de ovulação e de outras condições, a semente da consciência, que se agrada com a experiência, produz o surgimento de nome e forma dentro do útero da mãe pelo qual a pessoa vai renascer. Pois, embora as coisas sejam desprovidas de proprietário, desprovidas de propriedade, inacessíveis, semelhantesao espaço, e sua natureza seja a marca da ilusão, não há deficiência das causas e condições necessárias.

48. “Por exemplo, a consciência do olho surge por meio de cinco princípios. Quais são os cinco princípios? Especificamente, a consciência do olho surge com base no olho do qual depende, forma, luz, espaço e a atenção adequada. Aqui o olho funciona como base para a consciência(vijnana)do olho. A forma funciona como objeto de percepção da consciência do olho. A luz funciona como visibilidade. O espaço funciona não obstruindo a consciência do olho. A atenção adequadafunciona fazendo a consciência do olho dar-se conta. Sem essas condições, a consciência do olho não pode surgir. Mas quando a base dos sentidos internos, o olho, não é deficiente e, do mesmo modo, quando a forma, a luz, o espaço e a atenção adequada não são deficientes, a partir da união de todos esses fatores, surge a consciência do olho.

 49. “O olho não pensa:’Sirvo de base para a consciência do olho’. Nem a forma pensa:’Sirvo como objeto de percepção para a consciência do olho’. Nem a luz pensa: ‘Eu funciono como a visibilidade para a consciência do olho’.Nem o espaço pensa: ‘Eu não obstruo a consciência do olho’. Nem a atenção adequada pensa: ‘Eu faço a consciência do olho dar-se conta’. Nem a consciência do olho pensa: ‘Eu sou produzido por essas condições’. No entanto, a consciência do olho nasce da presença dessas condições. Da mesma forma, uma análise correspondente deve ser aplicada ao restante dos órgãos dos sentidos.

 50. “Aqui, não há absolutamente nadaque transmigra desta existência para a próxima. Contudo, como não há deficiência de causas e condições necessárias, o resultado do karma manifesta-se. É como a aparência do reflexo de um rosto na superfície de um espelho bem polido. O rosto não se deslocou para a superfície do espelho, mas, como não há deficiência das causas e condições necessárias, o rosto aparece lá.

 51. “Da mesma forma, não há ninguém que transmigra daqui depois da morte e nasce em outro lugar. No entanto, como não há deficiência de causas e condições necessárias, o resultado do karma manifesta-se. É como a esfera da Lua, que viaja a uma distância de 42 mil yojanas acima da Terra, contudo, seu reflexo aparece em pequenos vasos cheios de água. Não é que a Lua se mova de sua posição e entre nos pequenos vasos cheios de água. Como não há deficiência de causas e condições necessárias, a esfera da Lua aparece lá.

 52. “Da mesma forma como não há ninguém que transmigre daqui depois da morte e nasça em outro lugar, porque não há deficiência de causas e condições necessárias, o resultado do karma, no entanto, manifesta-se. É como um fogoque se acende com a reunião de suas causas e condições necessárias, e não quando deficiente de suas causas e condições necessárias.

 53. “Da mesma forma, embora as coisas sejam desprovidas de proprietários, desprovidas de propriedade, inacessíveis, semelhantes ao espaço, e sua natureza é a marca da ilusão, porque não há deficiência das causas e condições necessárias, a semente de vijnana(consciência) nascida do karma e os kleshas (aflições) produzirão, no entanto, o surgimento de nome e forma dentro do útero da mãe pelo qual a pessoa renascerá.

 “Assim a relação de condições no surgimento dependente interno deve ser vista.

 54. “Aqui o surgimento dependente interno deve ser visto em termos de cinco aspectos. Quais são os cinco aspectos? Ele não é permanente, não é descontínuo, não envolve transmigração, um grande resultado surge a partir de uma pequena causa, e há continuidade de tipo semelhante.

 55. “Como não é permanente? Não é permanente, porque os agregados finais na morte são uma coisa e os que nascem são outra; isto é, os agregados finais na morte não são os que nascem. Contudo, somente quando os agregados finais na morte cessam os agregados no nascimento surgem.

 56. “Como não é descontínuo? Não é descontínuo porque os agregados no nascimento não surgem dos agregados finais na morte, quando já cessaram ou quando ainda não cessaram. Como a trava de uma balança que se inclina de cima para baixo, os agregados no nascimento surgem precisamente quando os agregados finais na morte cessam.

 57. “Como não envolve transmigração? Não envolve transmigração porque seres de diferentes classes de existência produzem seu renascimento em uma forma comum de nascimento.

 58. “Como um grande resultado surge a partir de uma pequena causa? O amadurecimento de um grande resultado é causado por uma ação menor. Assim, um grande resultado surge a partir de uma pequena causa.

 “Há continuidade de tipo semelhante porque o amadurecimento de uma ação é vivenciado precisamente de acordo com a ação executada.

 59. “Venerável Shariputra, quem vê com perfeita sabedoria esse surgimento dependente, perfeitamente ensinado pelo Bhagavan, em realidade, como sempre e para sempre sem vida, livre de vida, assim como ele é, inequívoco, não nascido, não surgido, não criado, não condicionado, não obstruído, sem base, sereno, destemido, incontroverso, inexaurido, como uma natureza essencial que não foi pacificada —, quem o vê plena e verdadeiramente como irreal, inútil, oco, sem substância, como uma doença, infectado, um espinho, maligno, impermanente, sofrimento, vazio e sem eu, essa pessoa não reflete sobre o passado pensando: ‘Existi no passado ou não? O que eu era no passado? Como eu era no passado?’E essa pessoa não reflete sobre o futuro pensando:’Existirei no futuro ou não? O que serei no futuro? Como serei no futuro? ‘Essa pessoa não reflete sobre opresente pensando:’ O que é isto? Como é isto? Sendo algo, o que nos tornaremos? De onde vem esse ser? Para onde vai quando transmigrar daqui na morte?’

 60. “Quaisquer dogmas que os monges mendicantes e os brâmanes mantêm em todo o mundo, seja crença em um eu, seja crença em um ser, crença em uma força vital, crença em uma pessoa ou crença em cerimônias e festividades, esses dogmas, propensos à agitação e ao torpor, são todos abandonados nesse momento. Entendidos plenamente como falsos, esses dogmas são cortados na raiz e murcham como a copa de uma palmeira, para nunca mais surgirem ou cessarem no futuro.

 61. “Venerável Shariputra, quem é dotado de tal aceitação do Dharma e, portanto, entende perfeitamente o surgimento dependente, é profetizado para um despertar insuperável, perfeito e completo pelo Tathagata, o Arhat, o perfeita e completamente desperto, aquele com conhecimento e conduta perfeitos, o Sugata, o conhecedor do mundo, o incomparável condutor de carruagens daqueles que precisam ser domados, o mestre de deuses e de homens, o Bhagavan, o Buddha, assim: ‘Essa pessoa se tornará um buddha perfeito e completo!'”

 62. Depois que o bodhisattvamahāsattvaMaitreya falou assim, o venerável Shariputra, junto com o mundo de deuses, humanos, asuras e gandharvas, alegrou-se e elogiou o que o bodhisattvamahāsattvaMaitreya havia ensinado.

 63. Isso conclui o nobre Sutra Mahayana do Broto de Arroz.



[1] Dharma é uma palavra sânscrita que possui vários significados, dentre eles Lei, o ensinamento do Buddha, mas também fenômeno, treinamento, atingimentos, regras, práticas.

[2] Segundo Kamalashila, samskaras que conduzem aos reinos da forma e da não forma.